Sumário:
1. Introdução
2.
Conceito
2.1. Natureza
Jurídica da Reparação do Dano Moral
3.
A industria do Dano Moral
4.
Conclusão
1.
Introdução
Até 1988 não havia no ordenamento
jurídico qualquer previsão acerca dos danos de natureza moral, entretanto a sua
existência e necessidade de reparação já eram vastamente defendidas pela melhor
doutrina e aceitas pelas Cortes nacionais.
Após
a promulgação da Constituição Federal de 1988, o dano moral foi formalmente
reconhecido no complexo normativo brasileiro e consagrado no artigo 5º, incisos
V e X, da Lei Maior¹.
Desde o reconhecimento formal,
aliado à garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário², observou-se um
grande aumento no número de ações judiciais visando a reparação de danos de tal
natureza o que cresceria ainda mais com o advento do atual Código Civil³, em vigência desde 2003; além de diversas
outras leis específicas de temas diversos que determinam a necessidade de
reparação de qualquer dano ocasionado, inclusive o de natureza moral, baseando-se
na lei maior.
Entende-se que a garantia de
acesso ao Poder Judiciário conferida pela Constituição de 1988, juntamente a
conscientização da população no sentido de busca e luta por seus direitos,
repercutiu de forma direta no Poder Judiciário, tanto quantitativamente, diante
do enorme do acúmulo de ações ajuizadas; como na falta de harmonia
jurisprudencial, dada a grande disparidade entre os distintos valores fixados
judicialmente a título de reparação de danos morais.
Está claro que o direito de ação
por danos morais é indiscutível e deve ser cobrado. Mas o que se entende
juridicamente por dano moral?
2.
Conceito
Será considerado dano moral aquele que afetar os
direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, os quais estão elencados na
Constituição Federal de 1988, sendo mais específico, a intimidade, a honra, a
imagem social do indivíduo, em fim, todo e qualquer prejuízo ao bem-estar da
vitima.
De
acordo com Maria Helena Diniz, o dano moral é uma "lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem
jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (...) ou nos
atributos da pessoa".
O dano moral deve ser claro,
efetivo e bem definido, não podendo enquadrar uma pequena contrariedade,
desconforto, à qual todos estão sujeitos no cotidiano, e o que se deve buscar
efetivamente é a compensação da lesão
causada a um bem personalíssimo de determinado individuo, onde o prejuízo não
atinja a esfera material, e sim, atinja o seu caráter subjetivo, moral,
trazendo consequências negativas para a vítima, pois seu bem-estar social e
pessoal será abalado.
Temos dois princípios que estão
diretamente relacionados ao tema, o principio da razoabilidade e da
proporcionalidade, ou seja, o bom senso jurídico, pois um mero aborrecimento,
dissabor, mágoa ou irritação do cotidiano não é capaz de configurar dano moral
e, ainda, quando este se configurar, o valor deve ser proporcional à dor
causada, não podendo ser um valor exacerbado podendo gerar assim um enriquecimento
ilícito ou sem causa, o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico
brasileiro.
2.1.
Natureza Jurídica da Reparação do Dano Moral
Não nos
resta duvidas que o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a reparação ao
Dano Moral, chegando ao ponto de se obter o reconhecimento o constitucional. O
CF/88 em seu artigo 5º prevê o direito de reparação, conforme descrito no
inciso V, do aludido artigo:
[...] é assegurado o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem.
Como
consequência de seu caráter subjetivo, a indenização pode ser comprometida, ou
seja, estar nas mãos do magistrado arbitrar o valor da indenização, pois não
existe uma tarifação pré estabelecida para se obter o valor indenizatório,
cabendo ao juiz arbitrariedade da indenização, o que pode gerar um sentimento
de injustiça para a vítima, pois o valor pode não atingir seu principal objetivo,
o conforto da vitima para reparação do dano imaterial.
Neste
contexto, chegamos à seguinte pergunta: qual será a natureza jurídica da
indenização do Dano Moral? Podemos encontrar três vertentes doutrinarias, a
primeira defende uma indenização com caráter meramente compensatório; a segunda
corrente defende um caráter punitivo da indenização, e por fim a terceira
corrente que defende uma indenização de duplo caráter, sendo
compensatório-punitiva.
Dantas, cita
o respeitado advogado e professor Flavio Tarturce, que apresenta três correntes
sobre o tema em questão, a primeira corrente defende uma indenização como
caráter meramente reparatório ou compensatório, assim o autor do dano estaria
obrigado a pagar uma mera indenização de valor ínfimo para reparação; já a
segunda corrente, defende uma indenização que assumi um caráter punitivo, assim
o valor da indenização deveria ter um caráter punitivo, desta forma punindo o
autor do dano, para evitar a pratica de atos que ofendam a moral de outrem; por
fim a terceira corrente defende uma indenização de natureza compensatório-punitiva,
ou seja, a vítima do dano terá em sua indenização a soma de dois valores, um
direcionado a compensação do dano, e outra direcionada a punir o ofensor,
objetivando a não reincidência na pratica de danos morais, agravando
consideravelmente o valor da indenização.
O
ordenamento jurídico brasileiro adotou a vertente que defendem uma indenização
meramente compensatória para a reparação ao dano moral, é possível
identificarmos na leitura do artigo 1.060 do Código Civil brasileiro, a opção do
nosso legislador, sendo a seguinte:
Art. 1060 "Ainda que a inexecução resulte de
dolo do devedor as perdas e danos, a indenização, não pode ir além daquilo que
se efetivamente se perdeu".
Desta
forma fica claro que a indenização não pode ir além do prejuízo da vitima,
assim o juiz arbitrará o quantum indenizatório, observando apenas o dano sofrido
pela vitima, não podemos esquecer para o dano moral é subjetivo, assim a
indenização não deverá extrapolar o limite compensatório, que no dano moral,
deve ser baseado o bom-senso do magistrado, que observará o valor que
compensará o dano causado a vitima.
É
possível identificarmos que alguns doutrinadores do direito brasileiro que
apresentam uma tendência de preferirem a terceira corrente apresentada, podemos
citar o posicionamento de Caio Mario Pereira da Silva, o qual se posiciona a
favor do caráter punitivo da reparação como forma de condenação ao causador do
dano, e um caráter compensatório que interessa a vitima, pois receberá uma
indenização que proporcionara um conformo ao sofrimento do ofendido, em suas
palavras:
“Quando se cuida do dano moral, o fulcro do
conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças:
“caráter punitivo" para que o causador do dano, pelo fato da condenação,
se veja castigado pela ofensa que praticou; e o “caráter compensatório"
para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como
contrapartida do mal sofrido.”
Ainda
neste mesmo posicionamento, Bodin de Moraes apresenta seu ponto de vista sobre
o tema:
Vem atribuindo à reparação do dano moral duas
funções muito diversas. [...] deve, como qualquer ressarcimento, compensar a
vítima através da indenização pelos danos (rectius, dores) sofridos. É a
chamada função compensatória. De outro lado, ao se propor que as condições
econômicas das partes sejam consideradas, assim como o grau de culpa do
ofensor, é estabelecida uma outra causa de ressarcimento, desta vez visando
punir o ofensor [...]. É a chamada função punitiva, que alguns chamam de
preventiva, pedagógica ou exemplar.
Diante do
exposto, apresenta-se uma grande questão do tema da reparação do dano moral, se
tal indenização possui caráter compensatório, punitivo ou compensatório-punitivo.
Entre ás três correntes apresentadas, é possível concluir que atribuir à
indenização um caráter compensatório-punitivo, é a opção mais eficaz, pois
ambas as partes, autor e vitima, sentem o efeito da sentença que determinará a
indenização, uma vez que a vítima terá confortado o seu dano, e o autor sofrerá
uma punição pelo dano.
Contudo
independente da sua natureza jurídica, a indenização deverá proporcionar a
vítima uma satisfação, um conforto, um reparo, pois como já vimos anteriormente
a vitima do dano moral, tem sua dignidade e o seu bem-estar abalado em
decorrência de uma ação, ou até mesmo uma omissão do ofensor, assim o
magistrado tem que atingir um grau justo de compensação para a vítima.
3.
A industria do Dano Moral
Juntamente com casos nos quais o
pleito é legítimo, existem inúmeros casos abusivos, que degradam as relações
sociais.
Se, por um lado, o acesso ao Poder Judiciário democratizado,
assegurou ao cidadão a livre propositura de demandas para serem apreciadas pelo
poder estatal, por outro lado, podemos afirmar que tal instituto fora
banalizado, convertendo-se em verdadeira indústria. A possibilidade e
facilidade de obtenção da gratuidade judiciária incentiva ainda mais o
crescimento dessa indústria. A ausência do ônus de arcar com custas inaugurais,
aliada ao afastamento do risco dos consectários sucumbenciais, motiva o autor a
arbitrar ao feito valores extraordinários, fantásticos e inconcebíveis,
chegando, às vezes, perto do absurdo.
Em consequência, qualquer injúria banal ou insignificante à
integridade física, moral, espiritual ou imaginária do autor converte-se em um
pedido milionário de indenização. Muitas vezes, trata-se, de uma verdadeira
aposta lotérica, sem qualquer risco para o autor, a não ser a possibilidade de
frustração do seu pedido.
As varas cíveis de todo o Brasil, atualmente,
encontram-se em uma situação preocupante, pois em virtude da enorme quantidade
de ações, a morosidade já é uma realidade nos processos brasileiros. Tal
situação pode ser atribuída tanto para o Estado, que não fornece uma estrutura
adequada para o devido andamento dos processos, como também aos postulantes de
tais ações, que indevidamente buscam no judiciário um enriquecimento rápido e
sem causa.
Os indivíduos que buscam o enriquecimento sem causa
propõem ações infundadas, que muitas vezes tem por objeto meros caprichos de
seus postulantes, servindo apenas como elemento agravante para a morosidade dos
processos no judiciário brasileiro.
Por isso muito se fala em uma
"indústria do dano moral", na qual as pessoas buscam o Judiciário
como se fosse um jogo de loteria, num anseio desenfreado por obter ganhos
fáceis e rápidos.
A facilidade em postular em juízo
sem gastos, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais, nos quais em
determinadas circunstâncias sequer é necessário a contratação de um advogado,
além da impunidade pelas ações infundadas acabam por incentivar o crescente
número de ações.
Vemos assim que o dano moral não pode ser visto como
meio de enriquecimento fácil e sem causa, pois corre o risco de o instituto
deixar de ter importância e peso perante o judiciário, e até mesmo perante o
ordenamento jurídico brasileiro. Desta maneira as pessoas que realmente merecem
uma compensação pelo dano, poderão não ser ressarcidas, devido a esta indústria
dos danos morais, caindo naquele velho ditado popular, “devido a um, todos
pagam”.
4.
Conclusão
Então é necessário que se tornem
pacíficas a doutrina e jurisprudência no que diz respeito a caracterização e da
quantificação do dano moral, que haja
conscientização popular social a respeito do assunto e, ainda, que os
magistrados comecem a enquadrar os comportamentos indevidos como litigância de
má-fé (oportunidade em que a parte que utiliza indevidamente o Judiciário
deverá indenizar a outra parte e arcar com as custas processuais e honorários
advocatícios, conforme o previsto nos artigos 16 a 18 do Código de Processo
Civil) a fim de reduzir o exacerbado número de ações abusivas visando o enriquecimento
ilícito baseado em pleitos infundados de reparação por danos morais que
sobrecarregam o nosso Judiciário.
Nesse mesmo sentido, vale lembrar
que o abuso da máquina do Judiciário vem gerando demora na prestação
jurisdicional, o que prejudica aqueles que efetivamente têm direitos devidos e
legítimos a serem apreciados, além dos gastos que representam para o Estado e
desgastes psicológicos dos envolvidos na lide, aí incluso o magistrado, que
deverá fazer uma análise subjetiva do fato a ser examinado.
Enfim, conclui-se que a busca
pela vantagem indevida acaba por banalizar um instituto tão importante e que
levou tanto tempo para ser reconhecido e positivado pelo nosso ordenamento
jurídico.
Em
virtude da extrema dificuldade de verificar se realmente determinado indivíduo,
sofreu o dano moral, pois têm que se verificar se aquela ação do autor do dano gerou
um abalo psicológico para a vítima. Esta verificação é de suma importância,
pois para evitar a banalização do dano moral, que atualmente já é uma
realidade, em decorrência de inúmeras ações que adentram os tribunais cíveis
brasileiros, fundadas em meros aborrecimentos do dia-a-dia, ou até mesmo com
fundamentos de má-fé.
Porém,
neste contexto abordou-se a responsabilidade do magistrado em verificar até que
ponto aquela conduta do autor, afetou subjetivamente a vitima, chegando assim a
caracterização do dano. Caracterizado o dano, cabe ao magistrado
impor a indenização, objetivando o reparo do dano sofrido pela vítima.
______________
1 Art. 5º da Constituição Federal de 1988: "Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação; (...)".
2 Vide art. 5º, inc. XXXV, da
Constituição Federal de 1988.
³ Art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
FADUL,
T. C.; A indústria do
dano moral. 2008. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Disponível em <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/122657/a-industria-do-dano-moral-tatiana-cavalcante-fadul>
MARINS,
F. F.; Dano moral ou mero
aborrecimento?. Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3540.>
Acesso em: 18 de abril de 2014.
DANTAS,
L. C. S.; A indústria do dano
moral: Atividade lucrativa para as grandes empresas. Conteudo Juridico.
Brasilia, 2010. Disponivel em: . Acesso em: 17 de abril de 2014.
PEREIRA, C. M.S. Responsabilidade Civil,
Rio de Janeiro: Forense, 9ªed.., 2000
MORAES,
M. C. B.; Danos à Pessoa
Humana – uma leitura
civil-constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.