sexta-feira, 9 de maio de 2014

A BANALIZAÇÃO DO DANO MORAL




Sumário:
 1. Introdução
2. Conceito
2.1. Natureza Jurídica da Reparação do Dano Moral
3. A industria do Dano Moral
4. Conclusão




1.     Introdução

Até 1988 não havia no ordenamento jurídico qualquer previsão acerca dos danos de natureza moral, entretanto a sua existência e necessidade de reparação já eram vastamente defendidas pela melhor doutrina e aceitas pelas Cortes nacionais.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o dano moral foi formalmente reconhecido no complexo normativo brasileiro e consagrado no artigo 5º, incisos V e X, da Lei Maior¹.
Desde o reconhecimento formal, aliado à garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário², observou-se um grande aumento no número de ações judiciais visando a reparação de danos de tal natureza o que cresceria ainda mais com o advento do atual Código Civil³, em vigência desde 2003; além de diversas outras leis específicas de temas diversos que determinam a necessidade de reparação de qualquer dano ocasionado, inclusive o de natureza moral, baseando-se na lei maior.
Entende-se que a garantia de acesso ao Poder Judiciário conferida pela Constituição de 1988, juntamente a conscientização da população no sentido de busca e luta por seus direitos, repercutiu de forma direta no Poder Judiciário, tanto quantitativamente, diante do enorme do acúmulo de ações ajuizadas; como na falta de harmonia jurisprudencial, dada a grande disparidade entre os distintos valores fixados judicialmente a título de reparação de danos morais.
Está claro que o direito de ação por danos morais é indiscutível e deve ser cobrado. Mas o que se entende juridicamente por dano moral?
2.      Conceito

 O dano moral trata-se da ofensa ao patrimônio imaterial de determinada pessoa, ou seja, a ofensa atinja os direitos de personalidade, desta maneira o dano deverá lesionar a honra, crenças, paz interior, a dignidade, em fim, aquele ato que ofende a dignidade do ser humano afetando o seu ânimo psíquico e intelectual, ocasionando-lhe uma dor intensa, um sofrimento que foge à normalidade não podendo ser fisicamente dimensionado.
Será considerado dano moral aquele que afetar os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, os quais estão elencados na Constituição Federal de 1988, sendo mais específico, a intimidade, a honra, a imagem social do indivíduo, em fim, todo e qualquer prejuízo ao bem-estar da vitima.
De acordo com Maria Helena Diniz, o dano moral é uma "lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (...) ou nos atributos da pessoa".
O dano moral deve ser claro, efetivo e bem definido, não podendo enquadrar uma pequena contrariedade, desconforto, à qual todos estão sujeitos no cotidiano, e o que se deve buscar efetivamente é a compensação da lesão causada a um bem personalíssimo de determinado individuo, onde o prejuízo não atinja a esfera material, e sim, atinja o seu caráter subjetivo, moral, trazendo consequências negativas para a vítima, pois seu bem-estar social e pessoal será abalado.
Temos dois princípios que estão diretamente relacionados ao tema, o principio da razoabilidade e da proporcionalidade, ou seja, o bom senso jurídico, pois um mero aborrecimento, dissabor, mágoa ou irritação do cotidiano não é capaz de configurar dano moral e, ainda, quando este se configurar, o valor deve ser proporcional à dor causada, não podendo ser um valor exacerbado podendo gerar assim um enriquecimento ilícito ou sem causa, o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.


2.1.         Natureza Jurídica da Reparação do Dano Moral




Não nos resta duvidas que o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a reparação ao Dano Moral, chegando ao ponto de se obter o reconhecimento o constitucional. O CF/88 em seu artigo 5º prevê o direito de reparação, conforme descrito no inciso V, do aludido artigo:

[...] é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

Como consequência de seu caráter subjetivo, a indenização pode ser comprometida, ou seja, estar nas mãos do magistrado arbitrar o valor da indenização, pois não existe uma tarifação pré estabelecida para se obter o valor indenizatório, cabendo ao juiz arbitrariedade da indenização, o que pode gerar um sentimento de injustiça para a vítima, pois o valor pode não atingir seu principal objetivo, o conforto da vitima para reparação do dano imaterial.
Neste contexto, chegamos à seguinte pergunta: qual será a natureza jurídica da indenização do Dano Moral? Podemos encontrar três vertentes doutrinarias, a primeira defende uma indenização com caráter meramente compensatório; a segunda corrente defende um caráter punitivo da indenização, e por fim a terceira corrente que defende uma indenização de duplo caráter, sendo compensatório-punitiva.
Dantas, cita o respeitado advogado e professor Flavio Tarturce, que apresenta três correntes sobre o tema em questão, a primeira corrente defende uma indenização como caráter meramente reparatório ou compensatório, assim o autor do dano estaria obrigado a pagar uma mera indenização de valor ínfimo para reparação; já a segunda corrente, defende uma indenização que assumi um caráter punitivo, assim o valor da indenização deveria ter um caráter punitivo, desta forma punindo o autor do dano, para evitar a pratica de atos que ofendam a moral de outrem; por fim a terceira corrente defende uma indenização de natureza compensatório-punitiva, ou seja, a vítima do dano terá em sua indenização a soma de dois valores, um direcionado a compensação do dano, e outra direcionada a punir o ofensor, objetivando a não reincidência na pratica de danos morais, agravando consideravelmente o valor da indenização.
O ordenamento jurídico brasileiro adotou a vertente que defendem uma indenização meramente compensatória para a reparação ao dano moral, é possível identificarmos na leitura do artigo 1.060 do Código Civil brasileiro, a opção do nosso legislador, sendo a seguinte:

Art. 1060 "Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor as perdas e danos, a indenização, não pode ir além daquilo que se efetivamente se perdeu".

Desta forma fica claro que a indenização não pode ir além do prejuízo da vitima, assim o juiz arbitrará o quantum indenizatório, observando apenas o dano sofrido pela vitima, não podemos esquecer para o dano moral é subjetivo, assim a indenização não deverá extrapolar o limite compensatório, que no dano moral, deve ser baseado o bom-senso do magistrado, que observará o valor que compensará o dano causado a vitima. 
É possível identificarmos que alguns doutrinadores do direito brasileiro que apresentam uma tendência de preferirem a terceira corrente apresentada, podemos citar o posicionamento de Caio Mario Pereira da Silva, o qual se posiciona a favor do caráter punitivo da reparação como forma de condenação ao causador do dano, e um caráter compensatório que interessa a vitima, pois receberá uma indenização que proporcionara um conformo ao sofrimento do ofendido, em suas palavras:

“Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: “caráter punitivo" para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o “caráter compensatório" para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.”

Ainda neste mesmo posicionamento, Bodin de Moraes apresenta seu ponto de vista sobre o tema: 

Vem atribuindo à reparação do dano moral duas funções muito diversas. [...] deve, como qualquer ressarcimento, compensar a vítima através da indenização pelos danos (rectius, dores) sofridos. É a chamada função compensatória. De outro lado, ao se propor que as condições econômicas das partes sejam consideradas, assim como o grau de culpa do ofensor, é estabelecida uma outra causa de ressarcimento, desta vez visando punir o ofensor [...]. É a chamada função punitiva, que alguns chamam de preventiva, pedagógica ou exemplar.

Diante do exposto, apresenta-se uma grande questão do tema da reparação do dano moral, se tal indenização possui caráter compensatório, punitivo ou compensatório-punitivo. Entre ás três correntes apresentadas, é possível concluir que atribuir à indenização um caráter compensatório-punitivo, é a opção mais eficaz, pois ambas as partes, autor e vitima, sentem o efeito da sentença que determinará a indenização, uma vez que a vítima terá confortado o seu dano, e o autor sofrerá uma punição pelo dano.
Contudo independente da sua natureza jurídica, a indenização deverá proporcionar a vítima uma satisfação, um conforto, um reparo, pois como já vimos anteriormente a vitima do dano moral, tem sua dignidade e o seu bem-estar abalado em decorrência de uma ação, ou até mesmo uma omissão do ofensor, assim o magistrado tem que atingir um grau justo de compensação para a vítima.




3.        A industria do Dano Moral

Juntamente com casos nos quais o pleito é legítimo, existem inúmeros casos abusivos, que degradam as relações sociais.
Se, por um lado, o acesso ao Poder Judiciário democratizado, assegurou ao cidadão a livre propositura de demandas para serem apreciadas pelo poder estatal, por outro lado, podemos afirmar que tal instituto fora banalizado, convertendo-se em verdadeira indústria. A possibilidade e facilidade de obtenção da gratuidade judiciária incentiva ainda mais o crescimento dessa indústria. A ausência do ônus de arcar com custas inaugurais, aliada ao afastamento do risco dos consectários sucumbenciais, motiva o autor a arbitrar ao feito valores extraordinários, fantásticos e inconcebíveis, chegando, às vezes, perto do absurdo.
Em consequência, qualquer injúria banal ou insignificante à integridade física, moral, espiritual ou imaginária do autor converte-se em um pedido milionário de indenização. Muitas vezes, trata-se, de uma verdadeira aposta lotérica, sem qualquer risco para o autor, a não ser a possibilidade de frustração do seu pedido.
As varas cíveis de todo o Brasil, atualmente, encontram-se em uma situação preocupante, pois em virtude da enorme quantidade de ações, a morosidade já é uma realidade nos processos brasileiros. Tal situação pode ser atribuída tanto para o Estado, que não fornece uma estrutura adequada para o devido andamento dos processos, como também aos postulantes de tais ações, que indevidamente buscam no judiciário um enriquecimento rápido e sem causa.
Os indivíduos que buscam o enriquecimento sem causa propõem ações infundadas, que muitas vezes tem por objeto meros caprichos de seus postulantes, servindo apenas como elemento agravante para a morosidade dos processos no judiciário brasileiro.
Por isso muito se fala em uma "indústria do dano moral", na qual as pessoas buscam o Judiciário como se fosse um jogo de loteria, num anseio desenfreado por obter ganhos fáceis e rápidos.
A facilidade em postular em juízo sem gastos, sobretudo no âmbito dos Juizados Especiais, nos quais em determinadas circunstâncias sequer é necessário a contratação de um advogado, além da impunidade pelas ações infundadas acabam por incentivar o crescente número de ações.
Vemos assim que o dano moral não pode ser visto como meio de enriquecimento fácil e sem causa, pois corre o risco de o instituto deixar de ter importância e peso perante o judiciário, e até mesmo perante o ordenamento jurídico brasileiro. Desta maneira as pessoas que realmente merecem uma compensação pelo dano, poderão não ser ressarcidas, devido a esta indústria dos danos morais, caindo naquele velho ditado popular, “devido a um, todos pagam”.
4.        Conclusão

Então é necessário que se tornem pacíficas a doutrina e jurisprudência no que diz respeito a caracterização e da quantificação do dano moral,  que haja conscientização popular social a respeito do assunto e, ainda, que os magistrados comecem a enquadrar os comportamentos indevidos como litigância de má-fé (oportunidade em que a parte que utiliza indevidamente o Judiciário deverá indenizar a outra parte e arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, conforme o previsto nos artigos 16 a 18 do Código de Processo Civil) a fim de reduzir o exacerbado número de ações abusivas visando o enriquecimento ilícito baseado em pleitos infundados de reparação por danos morais que sobrecarregam o nosso Judiciário.
Nesse mesmo sentido, vale lembrar que o abuso da máquina do Judiciário vem gerando demora na prestação jurisdicional, o que prejudica aqueles que efetivamente têm direitos devidos e legítimos a serem apreciados, além dos gastos que representam para o Estado e desgastes psicológicos dos envolvidos na lide, aí incluso o magistrado, que deverá fazer uma análise subjetiva do fato a ser examinado.
Enfim, conclui-se que a busca pela vantagem indevida acaba por banalizar um instituto tão importante e que levou tanto tempo para ser reconhecido e positivado pelo nosso ordenamento jurídico.
Em virtude da extrema dificuldade de verificar se realmente determinado indivíduo, sofreu o dano moral, pois têm que se verificar se aquela ação do autor do dano gerou um abalo psicológico para a vítima. Esta verificação é de suma importância, pois para evitar a banalização do dano moral, que atualmente já é uma realidade, em decorrência de inúmeras ações que adentram os tribunais cíveis brasileiros, fundadas em meros aborrecimentos do dia-a-dia, ou até mesmo com fundamentos de má-fé.
Porém, neste contexto abordou-se a responsabilidade do magistrado em verificar até que ponto aquela conduta do autor, afetou subjetivamente a vitima, chegando assim a caracterização do dano.  Caracterizado o dano, cabe ao magistrado impor a indenização, objetivando o reparo do dano sofrido pela vítima.

______________
1 Art. 5º da Constituição Federal de 1988: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...)".
2 Vide art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal de 1988.
³ Art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

FADUL, T. C.; A indústria do dano moral. 2008. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.  Disponível em <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/122657/a-industria-do-dano-moral-tatiana-cavalcante-fadul>
MARINS, F. F.; Dano moral ou mero aborrecimento?. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3540.> Acesso em: 18 de abril de 2014.

DANTAS, L. C. S.; A indústria do dano moral: Atividade lucrativa para as grandes empresas. Conteudo Juridico. Brasilia, 2010. Disponivel em:  Acesso em: 17 de abril de 2014.
PEREIRA, C. M.S. Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro: Forense, 9ªed.., 2000

MORAES, M. C. B.; Danos à Pessoa Humana – uma leitura civil-constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.