Elaborado em: 28/04/14
SUMÁRIO:
1. Introdução – 2. Desenvolvimento – 2.1 A mulher e os crimes contra a
dignidade sexual - 3. Conclusão
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1
. INTRODUÇÃO
A mudança vista no
Código Penal Brasileiro, após a Lei 12.015/09, no que tange em especial aos
crimes que se encontravam sob o Título VI – “Dos
Crimes Contra os Costumes” passando para: “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”, foi indubitavelmente muito
mais significativa do que se literalmente apresentou, vez que alterou
categoricamente todo o contexto em que se achavam inseridos os crimes sexuais.
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2.
DESENVOLVIMENTO
No entanto, vale
ressaltar que a formatação da parte especial do Código Penal, em atenção aquela
destinada aos crimes sexuais, data de 1940. Deve-se destacar, portanto, que sua
formatação foi baseada no que a sociedade da época possuía como valores
culturais, morais, éticos e religiosos. Outrossim, naquela época era notória a
preocupação em se manter os padrões comportamentais, daquilo que era tido como
socialmente correto, de forma a não comprometer a vida social e familiar, o que
indicava, e hoje se confirma toda sobrepujança do aspecto patriarcal que
imperava.
Confirmando todo esse
obstáculo ético social, que pairava na época da elaboração do Código Penal,
vale relembrar a própria exposição de motivos, que assim disse:
São os mesmos crimes
que a lei vigente conhece sob a extensa rubrica "Dos crimes contra a
segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao
pudor". Figuram eles com cinco subclasses, assim intitulados: "Dos
crimes contra a liberdade sexual", "Da sedução e da corrupção de
menores, (...)
O crime de adultério,
que o Código em vigor contempla entre os crimes sexuais, passa a figurar no
setor dos crimes contra a família.
Inegável é, portanto, a
contribuição da sociologia como uma das ciências afins do direito, em especial
no trabalho de equilíbrio entre lei e anseios sociais. E sobre isso, vale
relembrar os ensinamentos de Miguel Reale, que através de sua Teoria Tridimensional
(fato; valor; norma), explicou com perfeição toda essa situação que não se
condiciona apenas ao tempo, mas também à valoração que determinado fato social
recebe da própria sociedade ao ponto de se tornar proibido ou não. Isso que
justamente se acostumou de chamar de adequação social da ação.
Resta claro que a
preocupação maior do legislador da época, era de fato com a moral familiar do
que propriamente a liberdade individual. Tanto que tipificou condutas que a
sociedade atual não reconhece mais como criminosas, como adultério, sedução,
além de repudiar elementares típicas como “mulher honesta”, ‘mulher virgem”.
Figuras hoje revogadas, mas que retratavam com perfeição a realidade da época.
Discorrendo sobre tal
tema, em um de seus artigos o professor Fernando Capez disse:
A
proteção dos bons costumes, portanto, sobrelevava em face de outros interesses
penais juridicamente relevantes como a liberdade sexual. Era o reflexo de uma
sociedade patriarcal e pautada por valores éticos-sociais que primava, sobretudo,
pela moralidade sexual e seus reflexos na organização da família, menoscabando,
isto é, deixando para um segundo plano, a tutela dos direitos fundamentais do
indivíduo.
Justamente sobre esse
enfoque, e com o apoio da sociologia, verificou-se que a questão sexual tratada
pelo Código Penal de 1940, precisava urgentemente ser revista, não só para se
adequar à nova realidade social, mas principalmente para não contrariar o
padrão constitucional vigente a partir 1988, onde se estabeleceu que o ser é muito
mais importante do que qualquer coisa ou objeto jurídico. Principalmente se
estiver em jogo questões intimamente ligadas à sua dignidade e ou liberdade.
Sobre isso disse
Guilherme de Souza Nucci:
“A disciplina sexual e
o mínimo ético exigido por muitos à época de edição do Código Penal, na época de
1940, não mais compatibilizam com a liberdade de ser, agir e pensar, garantida
pela Constituição Federal de 1988”
As alterações
promovidas com o advento da Lei 12.015/09, marcam de fato um claro avanço na
forma de ser ver o direito penal, em especial sob o prisma da Constituição de
1988. Contudo, mesmo tendo sido bem vinda, deu oportunidades a novas discussões
como, por exemplo, a questão da relativização da capacidade do indivíduo que
com 13 anos de idade consente para o ato sexual, isso seria ou não crime. De
igual forma, com o novo artigo 218-B, §2º, II do CP, viu-se surgir uma
responsabilidade penal objetiva.
Enfim, claro que essas
são algumas considerações, que nem de longe tiram o mérito da nova lei. Pelo
contrário, apenas ratificam a necessidade de se ter um legislativo mais forte,
atuante e conhecedor daquilo que a sociedade precisa. Fala-se conhecedor,
também no sentido de conhecer a matéria que se legisla, para que assim não
surjam aberrações jurídicas, ou seja, leis vazias e inócuas.
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2.1
– A MULHER E OS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
Desgraçadamente,
porém, nos dias de hoje que correm, verifica-se uma espécie de crise do pudor,
decorrente de causas várias. Despercebe a mulher que seu encanto e a sua melhor
defesa estão no seu próprio recato. Com a sua crescente deficiência de reserva,
a mulher está contribuindo para abolir a espiritualização do amor [...] Com a
decadência do pudor, a mulher perdeu muito do seu prestígio e charme.
Atualmente meio palmo de coxa desnuda, tão comum com as saias modernas, já
deixam indiferentes a transeunte mais tropical, enquanto, outrora, um tornozelo
feminino à mostra provoca sensação e versos líricos. As moças de hoje, via de
regra, madrugam na posse dos segredos da vida sexual, e sua falta de modéstia
permite aos namorados liberdades excessivas. Toleram os conceitos mais
indiscretos e comprazem-se com anedotas e boutades picantes, quando não chegam
a ter iniciativa delas, escusando-se para tanto inescrúpulo com o argumento de
que a mãe Eva não usou folha de parreira na boca (1)
O excerto acima é de
autoria jurista Nélson Hungria, e exprime a visão por muito tempo predominante
a respeito dos crimes sexuais, entendidos como um atentado à moral sexual
vigente e aos costumes, ou, novamente no dize de Hungria, dos “hábitos da vida
sexual aprovados pela moral pela prática, ou, o que vale o mesmo, a conduta
sexual adaptada à conveniência e disciplinas sociais” (2)
O moderno entendimento
a respeito dos delitos sexuais é de que tais normas de conduta atentam contra o
livre exercício dos direitos sexuais, tanto de homens quanto de mulheres,
violando uma relevante dimensão da dignidade da pessoa, que o é o livre poder de
decisão sobre o seu corpo, seus interesses e desejos, no tocante aos
relacionamentos de natureza sexual.
O presente artigo
abordará os crimes sexuais sob o recorte de gênero, tratando a mulher e dos
crimes sexuais contra a dignidade sexual. Não se desconsidera a gravidade da
prática de crimes sexuais contra a pessoa do sexo masculino; mas o que mais
ressalta na legislação brasileira é que a tipificação dos crimes sexuais, ate
muito recentemente, era basicamente protetora de bens jurídicos diretamente relacionados
com determinados modelos de conduta moral e sexual que, sem consultá-las
esperava-se das mulheres. Por essa razão, é relevante abordar as intersecções
existentes entre crimes sexuais e os direitos das mulheres, uma vez que os
direitos sexuais e os reprodutivos “estão contidos no rol dos direitos
fundamentais, pois envolvem o exercício do respeito à dignidade humana, às
liberdades individuais e à intimidade” (3) e são objetos de instrumentos
internacionais de proteção aos direitos das mulheres “como corolário do direito
à liberdade, à dignidade, à intimidade, à saúde e ao planejamento familiar,
dentre outros”. (4)
No primeiro item do presente estudo serão abordados os
aspectos jurídicos dos crimes sexuais na legislação brasileira, percorrendo-se
todas as previsões legais da pátria sobre o tema a partir do Código Penal de
1830 até o momento legislativo atual. Confere-se, nesta parte, que houve um
avanço significativo em relação à criminalização primária de condutas que
ofendem a dignidade sexual, apesar de alguns pontos ainda restarem pendentes de
aprimoramento; O primeiro ponto a ser notado em relação ao tipo penal é que
todos contêm exclusivamente a mulher como sujeito passivo dos delitos, o que
significa dizer que há menos de 200 anos a pessoa do sexo masculino não era
objeto de tutela penal quanto a eventuais crimes sexuais. Mas, interessante
sublinhar, não era a liberdade sexual feminina o bem jurídico tutelado pela
norma, mas sua honra, que, uma vez maculada pela prática de ato sexual,
impediria o seu casamento: esta proteção jurídica à expectativa de contrair
matrimônio em “estado de castidade” e evidenciava-se pela pena de dote da
ofendida cominada a todos os crimes, come exceção do estupro de prostitutas
(art. 222) que, embora criminalizado, não gerava obrigação de dote, posto que a
expectativa de casamento já não existia
para a vítima, por força da sua prostituição; e também se faz notar pelas
causas de extinção de punibilidade dos crimes pelo casamento (arts. 225 e 228).
O Código Penal da República,
datado de 1890, por sua vez, trazia suas previsões relativas aos crimes sexuais
em seu Livro II (Dos crimes em espécie), mas alocando tais delitos em seu
Título VIII, sob a rubrica Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade
das famílias e do ultraje público ao pudor, dividindo-os em Da violência carnal
(Capítulo I) e Do rapto (Capítulo II). A essas previsões que continham figuras
análogas àquelas do Código Penal de 1830 acresceram-se crimes relativos a
exploração da prostituição (Do lenocínio- Capítulo III) e aos adultério (Do
adultério ou da infidelidade conjugal- Capítulo IV). Sobre a violência carnal,
é digna de nota a retirada de pena de dotar a ofendida, bem como até então
inédita previsão de pessoas de qualquer sexo possíveis sujeitos passivos de
crimes sexuais: é a primeira vez na legislação brasileira que se amplia a
tutela jurídica pretendida pelos crimes sexuais para além da regulação da
conduta moral e sexual da mulher. Não obstante, mulheres “honestas” e mulheres
“públicas” (ou prostitutas) continuam a receber tratamento jurídico
diferenciado, denotando-se, pelo legislador à violência sexual cometida contra
estas ultimas.
Em
1940 é elaborado o atual Código Penal, devendo-se anotar que a parte referente
ais crimes sexuais sofreu alterações substanciais em 2005 e 2009. A redação
original previa crimes sexuais no Título VI, dividido em cinco capítulos: Dos
crimes contra a liberdade sexual (Capítulo I); Da sedução e da corrupção de
menores (Capítulo II); Do Rapto (Capítulo III); Disposições Gerais (Capítulo
IV) e Do lenocínio e do trafico de mulheres (Capítulo IV). Embora os arts. 213
e 214 separassem as condutas do estupro (que somente poderia ser praticado
contra a mulher, por consistir coito vaginal, exclusivamente) das do atentado violento
ao pudor (que poderia abarcar as demais espécies de relação sexual mediante
violência ou grave ameaça), foram mantidos tipos penais que somente previam
vítimas do sexo feminino (não obstante se tratasse de condutas que poderiam ser
praticadas contra vítimas do sexo masculino, caso do atentado ao pudor mediante
fraude, conforme a redação do art. 216), e mais, desde que, e tão somente,
tratasse-se de “mulher honesta”, aquela que é, no dizer de Nélson Hungria, “não
só a de conduta moral sexual irrepreensível”, como também a “que ainda não
rompeu com o mínimo de decadência exigido pelos bons costumes”,compreensão que
reterá a forte valoração moral contida na própria norma a respeito da mulher
vítima de crime sexual.
As
alterações que o Código sofreu ocorreram, realmente, em conformidade coma
realidade social já, então, de há muito vivida (conquistas do movimento
feminista, mudanças acentuadas de costumes sexuais trazidas pela revolução
sexual e, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, igualdade entre os
sexos garantida pela Constituição Federal de 1988). Elas datam de menos de uma
década: no ano de 2005 o termo “mulher honesta” foi retirado do Código Penal,
excluída do Código a possibilidade de extinção da punibilidade dos crimes
sexuais pelo casamento da vítima, mas é no ano de 2009 que se realizam as
reformas mais significativas e que constituem a legislação atualmente em vigor.
No segundo item o tema será analisado sob a
perspectiva da vitimização secundária, em razão da falta de assistência às
mulheres vitimas de tais crimes. Para tanto, será vendo questões específicas da
saúde feminina e aspectos policiais, mais especificamente, relativos às Delegacias
de Atendimento à Mulher.
Importante observar
que, não obstante relevantes discussões de cunho dogmático (jurídico-penal) que
o tema suscita, bem como os necessários aprimoramentos dos tipos penais que
compõem o Título de Crimes contra a Dignidade Sexual, dado número bastante
expressivo de ocorrências, há que ser criado todo um aparato de prevenção a tal
criminalidade, bem como de efetiva assistência à vitima.
Com o advento da Lei n
12.015/2009 as condutas passaram a integrar um único tipo penal (estupro),
mantendo-se sanção penal. Tal alteração legislativa, embora tenha causado
estranhamento em alguns setores, encontra-se em consonância com os modernos
estatutos penais de países europeus.
No Velho Continente, as
mudanças decorreram da conquista de direitos femininos. Isto porque não faz
mais sentido distinguir uma grave ofensa à liberdade de outra à dignidade
sexual, pelo único fato de existir ou não uma relação sexual, já que inúmeras
outras práticas podem ter conotação sexual tão mais ofensiva. A distinção entre
o estupro (com relação sexual e que tinha como vítima exclusivamente a mulher)
e o atentado violento ao pudor (atos libidinosos diversos da conjugação carnal
e que atingem qualquer sexo) somente se a justifica deixar de levar em
consideração o bem jurídico protegido (liberdade e dignidade sexual),
apelando-se para razões culturais não mais condizentes com o atual estágio
civilizatório: a vencida necessidade de maior proteção da mulher enquanto corpo
sexualizado, e não da mulher enquanto sujeito direito.
Além disso, a própria
idéia de que o estupro representa uma violação (que tem como primeiro sentido
ofender com violência) já traz, em si, uma enorme carga sexista. Sem desmerecer
o trauma e o drama vivido pelas mulheres que foram vítimas, perquire-se se não
seria mais consentâneo com o projeto social igualitário pensar no estupro com
sexo obrigado, no lugar de carregá-lo de significados e significantes
provenientes da cultura patriarcal? Explica-se: tradicionalmente, a violação
era havida como um desafio às regras familiares; a vítima, como depositária de
honra do pai ou do marido, não era a personalidade da mulher; a ofensa era
contra um corpo que pertencia a alguém (ao pai, ao marido). O objetivo da
proteção era a idéia de feminino, não a dignidade da mulher. Aliás, outra
importante alteração decorrente da Lei n. 12.015/2009, como já mencionado, foi
ter substituído o nome do Título VI (que abriga o crime de estupro), que antes
se denominava “crimes contra os costumes”, para “crimes contra a dignidade
sexual”. Indubitavelmente, há uma violência em si, senão pela historia
(patriarcal) desse tipo particular de violência?
Uma vez que o próprio
teor legal explicita que o bem jurídico tutelado é liberado é a liberdade no
exercício da sexualidade, o “objeto” de ataque não pode ficar circunscrito ao
corpo (ou a uma parte dele), senão à faculdade pessoal de determinar-se neste
âmbito de relação interpessoal. Tal faculdade, no ato sexual forçado, é
atacada, seja por uma relação sexual não consentida pela mulher, seja por
outros atos sexuais também não permitidos pela vítima (homem ou mulher),
justificando que esses últimos ataques (quando de relevo) estejam previstos em
um único tipo penal: o de estupro.
Conforme mencionada anteriormente, a Lei n.
12.015/2009 promoveu a fusão de dois delitos (estupro e atentado violento ao
pudor) em um único tipo penal (atual art. 213, do Código Penal). A nova Lei,
entretanto, não resolveu (ou melhor, aprofundou) um antigo problema jurídico:
ao fundir os dois delitos em um único tipo penal, o legislador acabor
aumentando a impunidade, conforme afirma a Senador Marte Suplicy, e “isso de
deve ao fato de que, atualmente, ao se deparar com a denúncia de prática de ato
libidinoso não análogo à conjugação carnal, o juiz se vê ainda maus inclinado a
não aplicar a pena do [novo] estupro, que, de fato, demostra-se excessiva para
atos libidinosos sem penetração”
A vitimização criminal
desta natureza envolve problemas além das questões policiais e de aplicação de
pena via processo penal. É fato que é necessário observar a adequação da
punição ao crime cometido; porem, para além dos debates que envolvem o Direito
Penal e o Direito Processual Penal, afigura-se imprescindível o entendimento,
por parte das autoridades responsáveis, da vasta gama de violações acarreta
pelo crime contra dignidade sexual: aliada a questões da vergonha e do
constrangimento em reportar um crime, freqüentemente reforçadas pelo
atendimento inadequado em unidades policiais oi mesmo da área da saúde, as
vítimas se vêem, não raro, envolvidas em problemas de saúde, tais como a contaminação por doenças
sexualmente transmissíveis e a ocorrência de uma gravidez indesejada. A
subnotificação destes crimes, pode-se afirmar, decorre, em grande mídia, da
revitimização (vítima secundaria),23 muitas vezes por conta de um atendimento
inadequado, que desencoraja as vítimas a reportara violência sofrida, ademais,
tal subnotificação gera reflexos não só no controle dos registros policiais,
mas também na eventual tomada de providencias no realizado abortos clandestinos
ou, como dito, contraído doenças sexualmente transmissíveis.
Quando maior for o
apoio à mulher vítima de violência sexual, menor será o índice de
subnotificação e mais se pode investir em estratégias de prevenção do crime.
Essa assistência deve partir das instituições públicas (e privadas, em alguns
casos). Os operadores do Direito, bem como os profissionais da área da saúde
envolvidos na assistência, prevenção e repressão a crimes contra a dignidade
sexual, devem observar as peculiaridades destes delitos e as demandas
específicas das vítimas destes crimes, enquanto os operadores jurídicos devem
ser satisfatoriamente instruídos acerca das eventuais conseqüências que a
pratica de condutas na área da saúde pode acarreta, os profissionais da saúde
precisam estar munidos de conhecimento acercados aspectos jurídicos e policiais
referentes aos crimes em comento.
No terceiro item os temas já analisados no anterior
serão vistos sob a perspectiva de violência domestica e familiar contra a
mulher, objeto de proteção especial pela Lei Maria da Penha (Lei n.
11.340/2006). Haja vista a maior vulnerabilidade da mulher quando tal crime
ocorre dentro do lar, entendeu-se relevante abordar os aspectos assistenciais,
de prevenção e de proteção específicos e traduzidos pela referida Lei.
A Convenção de Belém do Pará, no seu art. 1º, define
violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que
cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto
na esfera pública como na esfera privada”.
A Lei Maria da Penha, por sua vez, faz referencia expressa a cinco
formas de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, sendo
que o rol é meramente ilustrativo, visto que o dispositivo encerra-se com a
expressão “entre outras”.
A violência sexual é entendida pela Maria da Penha
como “qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de
relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da
força; que induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a
sexualidade, que impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que force ao
matrimonio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação,
chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de
direitos sexuais e reprodutivos” (art. 7
º,III).
Por fim, também
constitui violência sexual qualquer conduta que limite ou anule o exercício de
seus direitos sexuais e reprodutivos. Os direitos sexuais pressupõem a livre
exploração da orientação sexual, podendo a pessoa promover a escolha do (s)
parceiro (s) e exercitar a pratica sexual de forma dissociada do objetivo
reprodutivo. Deve ser assegurado o direito á pratica sexual protegida de
doenças sexualmente transmissíveis, além do necessário respeito à integridade
física e moral.
Já os direitos
reprodutivos levam em conta a livre
escolha do número de filhos que um casal deseja ter, independentemente de
casamento, sendo assegurado o direito ao matrimonio desde que haja concordância
plena de ambos.
Todas as condutas acima
mencionadas e que constituem violência sexual são objetos de uma particular
assistência, também prevista na LMP:
Art. 9 A
assistência à mulher em situação de violência domestica e familiar será
prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos
na Lei Orgânicas da Assistência Social, no Sistema Único de Saude, no
Sistema Único de Segurança Pública,
entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando
for o caso.
[...]
§ 3
º A assistência
à mulher em situação de violência domestica e familiar compreenderá p acesso
aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico,
incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de
violência sexual.
3.
CONCLUSÃO
Por tudo isso, e muito
mais, é que toda a mudança operada pela Lei 12.015/09, deve sim ser exaltada e
elevada ao nível de avanço legislativo, pois marcou a ruptura da lei com
ultrapassados conceitos de moral, que estavam justamente atravancando os avanço
esperado.
Logo, aproveitando para
responder a indagação feita, conclui-se que a nova expressão marcou de fato um
verdadeiro avanço, possuindo perfeita consonância com a nova ótica
constitucional, que reconhece dentre todas as garantias e direitos individuais,
além da própria dignidade da pessoa humana, a pratica sexual também com um
direito afeto, e por isso intrínseco à sua dignidade.
A legislação
brasileira, no que tange à questão de gênero, como se viu, apresenta longo
histórico de discriminação negativa, como exemplo, de textos legais, alguns
relativamente recentes, que previam expressamente tratamento discriminatório em
relação à mulher, a confirmar que o contexto social e cultural contribuiu para
produzir e reforçar a crença na diferença, bem como a intolerância, fazendo-se
refletir na norma positivada. As principais discriminações giravam em torno de
questões sexuais.
A profunda modificação
das estruturas de pensamento refletiu-se na produção legislativa, tornando
possível, atualmente, mostrar necessidade e localizar exemplos de discriminação
positiva da mulher no ordenamento jurídico brasileiro, como é o caso da Lei
Maria da Penha, simbolismo da luta do movimento de mulheres pelo reconhecimento
e garantia de uma vida digna e livre de violência (inclusive a sexual) como um
direito fundamental, assegurado ademais, na órbita internacional. É por isso
que se torna necessárias as implementações dos instrumentos, ações e programas
assistenciais tanto na área da saúde quanto os disponíveis na fase policial.
Para além das normas
legais que trazem a igualdade de tratamento entre homens e mulheres dos
instrumentos, das ações e dos programas assistenciais, bem como da prevenção e
repressão dos delitos contra a dignidade sexual, ainda se faz necessária um
importante atitude, agora decorrente de um esforço individual: mudança interna
de valores socioculturais, que leve à erradicação do sistema patriarcal,
responsável direito pela opressão feminina/dominação masculina. O esforço da
mudança que alcance cada um pode levar a uma alteração da forma de viver em
sociedade. “Enquanto não houver uma mudança de mentalidade, o patriarcalismo
jurídico continuará a permear as relações entre mulheres e sistema jurídico”.
______________________________________________________________________
NOTAS
1.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código
Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959,p. 92-93. V.8.
2.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código
Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 103-104. V.8.
3.
LOBO, Ana Maria; ZAPATER, Maíra. O livre
exercício dos direitos reprodutivos: vinculação ao exercício regular (izado)
dos direitos sexuais? Uma reflexão. In: IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia;
FACHIN, Melina G. (Org). Direitos humanos
na ordem contemporânea: proteção nacional, regional, e global. Curitiba:
Jaruá, 2010, p. 335 v. IV.
4.
LOBO, Ana Maria; ZAPATER, Maíra, o livre
exercício dos direitos reprodutivos: vinculação ao exercício regular (izado)
dos direitos sexuais? Uma reflexão. In: IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia;
FACHIN, Melina G. (Org). Direitos humanos na ordem contemporânea: proteção
nacional, regional e global. Curitiba: Juruá, 2010, p. 341. v. IV.
5.
BEDONE, Aloisio José; FAÚNDES, Anibal. Atendimento integral às
mulheres vítimas de violência sexual: Centro de Assistência Integral à Saude da
Mulher, Universidade Estadual de Campinas. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/csp/v23n2/24.pdf.
6. IX-
pelo casamento da ofendida com terceiro, nos crimes referidos no inciso
anterior, salvo se cometido com violência ou grave ameaça e se ela não requer o
prosseguimento da ação penal no prazo de sessenta dias a contar das celebração; (Redação dada
pela Lei n. 6.416, de 1977)
7. Vale
observar que a Súmula 608 do STF (No crime de estupro, praticado mediante violência
real, a ação penal é publica incondicionada) perde sua aplicabilidade, na
medida em que as novas disposições legais sobre a ação penal nos crimes sexuais
asseguram, a um só tempo, o caráter de interesse público na persecução criminal
do autor desse tipo de delito e a intimidade da vítima que, se maior idade
capaz, poderá optar por não oferecer representação
8.
A vitimização secundaria ou
sobrevitimização é causada pelas instancias formais de controle sócias, no
decorrer da investigação criminal ou do processo penal. Cf. GOMES, Luiz Flávio;
MOLINA, Antônio García-Pablos de. Criminologia.3. ed. Tradução de Luiz Flávio
Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
____________________________________________________________
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ. Fernando. Artigo
científico. A Objetividade Jurídica Nos Crimes Contra a Dignidade, Disponível
em http://capez.taisei.com.br/capezfinal/index.php?secao=27&subsecao=0&con_id=5647.
Acessado em 20/04/2014.
GRECO, Rogério. Curso
de Direito Penal: Parte Especial, Volume III – 7ª ed. – Niterói, Rio de
Janeiro: Impetus, 2010
NUCCI, Guilherme de
Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual: Comentários à Lei 12.015. de 07 de
Agosto de 2009 – São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais – 2009.
BIANCHINI, Alice. Artigo
científico. A Mulher e os Crimes Contra a Dignidade Sexual, Disponível em http://www.clinicadeadvocacia.adv.br/pdf/A
MULHER E OS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL (1).docx. Acessado em 25/04/14
Legislação
modificada
Código
Penal de 1830
Código
Penal de 1890
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=847&tipo_norma=DEC&data-18901011&link=s
Código
Penal de 1940
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102343