segunda-feira, 5 de maio de 2014

A MUDANÇA DO BEM JURÍDICO COSTUMES PARA DIGNIDADE SEXUAL ALTEROU A PROTEÇÃO ESTATAL DOS DELITOS SEXUAIS?



 Elaborado em: 28/04/14
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Desenvolvimento – 2.1 A mulher e os crimes contra a dignidade sexual - 3. Conclusão
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1 . INTRODUÇÃO
A mudança vista no Código Penal Brasileiro, após a Lei 12.015/09, no que tange em especial aos crimes que se encontravam sob o Título VI – “Dos Crimes Contra os Costumes” passando para: “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”, foi indubitavelmente muito mais significativa do que se literalmente apresentou, vez que alterou categoricamente todo o contexto em que se achavam inseridos os crimes sexuais.
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2. DESENVOLVIMENTO
No entanto, vale ressaltar que a formatação da parte especial do Código Penal, em atenção aquela destinada aos crimes sexuais, data de 1940. Deve-se destacar, portanto, que sua formatação foi baseada no que a sociedade da época possuía como valores culturais, morais, éticos e religiosos. Outrossim, naquela época era notória a preocupação em se manter os padrões comportamentais, daquilo que era tido como socialmente correto, de forma a não comprometer a vida social e familiar, o que indicava, e hoje se confirma toda sobrepujança do aspecto patriarcal que imperava.

Confirmando todo esse obstáculo ético social, que pairava na época da elaboração do Código Penal, vale relembrar a própria exposição de motivos, que assim disse:
São os mesmos crimes que a lei vigente conhece sob a extensa rubrica "Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor". Figuram eles com cinco subclasses, assim intitulados: "Dos crimes contra a liberdade sexual", "Da sedução e da corrupção de menores, (...)
O crime de adultério, que o Código em vigor contempla entre os crimes sexuais, passa a figurar no setor dos crimes contra a família.

Inegável é, portanto, a contribuição da sociologia como uma das ciências afins do direito, em especial no trabalho de equilíbrio entre lei e anseios sociais. E sobre isso, vale relembrar os ensinamentos de Miguel Reale, que através de sua Teoria Tridimensional (fato; valor; norma), explicou com perfeição toda essa situação que não se condiciona apenas ao tempo, mas também à valoração que determinado fato social recebe da própria sociedade ao ponto de se tornar proibido ou não. Isso que justamente se acostumou de chamar de adequação social da ação.

Resta claro que a preocupação maior do legislador da época, era de fato com a moral familiar do que propriamente a liberdade individual. Tanto que tipificou condutas que a sociedade atual não reconhece mais como criminosas, como adultério, sedução, além de repudiar elementares típicas como “mulher honesta”, ‘mulher virgem”. Figuras hoje revogadas, mas que retratavam com perfeição a realidade da época.

Discorrendo sobre tal tema, em um de seus artigos o professor Fernando Capez disse:
A proteção dos bons costumes, portanto, sobrelevava em face de outros interesses penais juridicamente relevantes como a liberdade sexual. Era o reflexo de uma sociedade patriarcal e pautada por valores éticos-sociais que primava, sobretudo, pela moralidade sexual e seus reflexos na organização da família, menoscabando, isto é, deixando para um segundo plano, a tutela dos direitos fundamentais do indivíduo.

Justamente sobre esse enfoque, e com o apoio da sociologia, verificou-se que a questão sexual tratada pelo Código Penal de 1940, precisava urgentemente ser revista, não só para se adequar à nova realidade social, mas principalmente para não contrariar o padrão constitucional vigente a partir 1988, onde se estabeleceu que o ser é muito mais importante do que qualquer coisa ou objeto jurídico. Principalmente se estiver em jogo questões intimamente ligadas à sua dignidade e ou liberdade.

Sobre isso disse Guilherme de Souza Nucci:
“A disciplina sexual e o mínimo ético exigido por muitos à época de edição do Código Penal, na época de 1940, não mais compatibilizam com a liberdade de ser, agir e pensar, garantida pela Constituição Federal de 1988”

As alterações promovidas com o advento da Lei 12.015/09, marcam de fato um claro avanço na forma de ser ver o direito penal, em especial sob o prisma da Constituição de 1988. Contudo, mesmo tendo sido bem vinda, deu oportunidades a novas discussões como, por exemplo, a questão da relativização da capacidade do indivíduo que com 13 anos de idade consente para o ato sexual, isso seria ou não crime. De igual forma, com o novo artigo 218-B, §2º, II do CP, viu-se surgir uma responsabilidade penal objetiva.

Enfim, claro que essas são algumas considerações, que nem de longe tiram o mérito da nova lei. Pelo contrário, apenas ratificam a necessidade de se ter um legislativo mais forte, atuante e conhecedor daquilo que a sociedade precisa. Fala-se conhecedor, também no sentido de conhecer a matéria que se legisla, para que assim não surjam aberrações jurídicas, ou seja, leis vazias e inócuas.
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2.1 – A MULHER E OS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
Desgraçadamente, porém, nos dias de hoje que correm, verifica-se uma espécie de crise do pudor, decorrente de causas várias. Despercebe a mulher que seu encanto e a sua melhor defesa estão no seu próprio recato. Com a sua crescente deficiência de reserva, a mulher está contribuindo para abolir a espiritualização do amor [...] Com a decadência do pudor, a mulher perdeu muito do seu prestígio e charme. Atualmente meio palmo de coxa desnuda, tão comum com as saias modernas, já deixam indiferentes a transeunte mais tropical, enquanto, outrora, um tornozelo feminino à mostra provoca sensação e versos líricos. As moças de hoje, via de regra, madrugam na posse dos segredos da vida sexual, e sua falta de modéstia permite aos namorados liberdades excessivas. Toleram os conceitos mais indiscretos e comprazem-se com anedotas e boutades picantes, quando não chegam a ter iniciativa delas, escusando-se para tanto inescrúpulo com o argumento de que a mãe Eva não usou folha de parreira na boca (1)
O excerto acima é de autoria jurista Nélson Hungria, e exprime a visão por muito tempo predominante a respeito dos crimes sexuais, entendidos como um atentado à moral sexual vigente e aos costumes, ou, novamente no dize de Hungria, dos “hábitos da vida sexual aprovados pela moral pela prática, ou, o que vale o mesmo, a conduta sexual adaptada à conveniência e disciplinas sociais” (2)
O moderno entendimento a respeito dos delitos sexuais é de que tais normas de conduta atentam contra o livre exercício dos direitos sexuais, tanto de homens quanto de mulheres, violando uma relevante dimensão da dignidade da pessoa, que o é o livre poder de decisão sobre o seu corpo, seus interesses e desejos, no tocante aos relacionamentos de natureza sexual.
O presente artigo abordará os crimes sexuais sob o recorte de gênero, tratando a mulher e dos crimes sexuais contra a dignidade sexual. Não se desconsidera a gravidade da prática de crimes sexuais contra a pessoa do sexo masculino; mas o que mais ressalta na legislação brasileira é que a tipificação dos crimes sexuais, ate muito recentemente, era basicamente protetora de bens jurídicos diretamente relacionados com determinados modelos de conduta moral e sexual que, sem consultá-las esperava-se das mulheres. Por essa razão, é relevante abordar as intersecções existentes entre crimes sexuais e os direitos das mulheres, uma vez que os direitos sexuais e os reprodutivos “estão contidos no rol dos direitos fundamentais, pois envolvem o exercício do respeito à dignidade humana, às liberdades individuais e à intimidade” (3) e são objetos de instrumentos internacionais de proteção aos direitos das mulheres “como corolário do direito à liberdade, à dignidade, à intimidade, à saúde e ao planejamento familiar, dentre outros”. (4)
No primeiro item do presente estudo serão abordados os aspectos jurídicos dos crimes sexuais na legislação brasileira, percorrendo-se todas as previsões legais da pátria sobre o tema a partir do Código Penal de 1830 até o momento legislativo atual. Confere-se, nesta parte, que houve um avanço significativo em relação à criminalização primária de condutas que ofendem a dignidade sexual, apesar de alguns pontos ainda restarem pendentes de aprimoramento; O primeiro ponto a ser notado em relação ao tipo penal é que todos contêm exclusivamente a mulher como sujeito passivo dos delitos, o que significa dizer que há menos de 200 anos a pessoa do sexo masculino não era objeto de tutela penal quanto a eventuais crimes sexuais. Mas, interessante sublinhar, não era a liberdade sexual feminina o bem jurídico tutelado pela norma, mas sua honra, que, uma vez maculada pela prática de ato sexual, impediria o seu casamento: esta proteção jurídica à expectativa de contrair matrimônio em “estado de castidade” e evidenciava-se pela pena de dote da ofendida cominada a todos os crimes, come exceção do estupro de prostitutas (art. 222) que, embora criminalizado, não gerava obrigação de dote, posto que a expectativa  de casamento já não existia para a vítima, por força da sua prostituição; e também se faz notar pelas causas de extinção de punibilidade dos crimes pelo casamento (arts. 225 e 228).
O Código Penal da República, datado de 1890, por sua vez, trazia suas previsões relativas aos crimes sexuais em seu Livro II (Dos crimes em espécie), mas alocando tais delitos em seu Título VIII, sob a rubrica Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor, dividindo-os em Da violência carnal (Capítulo I) e Do rapto (Capítulo II). A essas previsões que continham figuras análogas àquelas do Código Penal de 1830 acresceram-se crimes relativos a exploração da prostituição (Do lenocínio- Capítulo III) e aos adultério (Do adultério ou da infidelidade conjugal- Capítulo IV). Sobre a violência carnal, é digna de nota a retirada de pena de dotar a ofendida, bem como até então inédita previsão de pessoas de qualquer sexo possíveis sujeitos passivos de crimes sexuais: é a primeira vez na legislação brasileira que se amplia a tutela jurídica pretendida pelos crimes sexuais para além da regulação da conduta moral e sexual da mulher. Não obstante, mulheres “honestas” e mulheres “públicas” (ou prostitutas) continuam a receber tratamento jurídico diferenciado, denotando-se, pelo legislador à violência sexual cometida contra estas ultimas.
Em 1940 é elaborado o atual Código Penal, devendo-se anotar que a parte referente ais crimes sexuais sofreu alterações substanciais em 2005 e 2009. A redação original previa crimes sexuais no Título VI, dividido em cinco capítulos: Dos crimes contra a liberdade sexual (Capítulo I); Da sedução e da corrupção de menores (Capítulo II); Do Rapto (Capítulo III); Disposições Gerais (Capítulo IV) e Do lenocínio e do trafico de mulheres (Capítulo IV). Embora os arts. 213 e 214 separassem as condutas do estupro (que somente poderia ser praticado contra a mulher, por consistir coito vaginal, exclusivamente) das do atentado violento ao pudor (que poderia abarcar as demais espécies de relação sexual mediante violência ou grave ameaça), foram mantidos tipos penais que somente previam vítimas do sexo feminino (não obstante se tratasse de condutas que poderiam ser praticadas contra vítimas do sexo masculino, caso do atentado ao pudor mediante fraude, conforme a redação do art. 216), e mais, desde que, e tão somente, tratasse-se de “mulher honesta”, aquela que é, no dizer de Nélson Hungria, “não só a de conduta moral sexual irrepreensível”, como também a “que ainda não rompeu com o mínimo de decadência exigido pelos bons costumes”,compreensão que reterá a forte valoração moral contida na própria norma a respeito da mulher vítima de crime sexual.
As alterações que o Código sofreu ocorreram, realmente, em conformidade coma realidade social já, então, de há muito vivida (conquistas do movimento feminista, mudanças acentuadas de costumes sexuais trazidas pela revolução sexual e, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, igualdade entre os sexos garantida pela Constituição Federal de 1988). Elas datam de menos de uma década: no ano de 2005 o termo “mulher honesta” foi retirado do Código Penal, excluída do Código a possibilidade de extinção da punibilidade dos crimes sexuais pelo casamento da vítima, mas é no ano de 2009 que se realizam as reformas mais significativas e que constituem a legislação atualmente em vigor.

 No segundo item o tema será analisado sob a perspectiva da vitimização secundária, em razão da falta de assistência às mulheres vitimas de tais crimes. Para tanto, será vendo questões específicas da saúde feminina e aspectos policiais, mais especificamente, relativos às Delegacias de Atendimento à Mulher.
Importante observar que, não obstante relevantes discussões de cunho dogmático (jurídico-penal) que o tema suscita, bem como os necessários aprimoramentos dos tipos penais que compõem o Título de Crimes contra a Dignidade Sexual, dado número bastante expressivo de ocorrências, há que ser criado todo um aparato de prevenção a tal criminalidade, bem como de efetiva assistência à vitima.
Com o advento da Lei n 12.015/2009 as condutas passaram a integrar um único tipo penal (estupro), mantendo-se sanção penal. Tal alteração legislativa, embora tenha causado estranhamento em alguns setores, encontra-se em consonância com os modernos estatutos penais de países europeus.
No Velho Continente, as mudanças decorreram da conquista de direitos femininos. Isto porque não faz mais sentido distinguir uma grave ofensa à liberdade de outra à dignidade sexual, pelo único fato de existir ou não uma relação sexual, já que inúmeras outras práticas podem ter conotação sexual tão mais ofensiva. A distinção entre o estupro (com relação sexual e que tinha como vítima exclusivamente a mulher) e o atentado violento ao pudor (atos libidinosos diversos da conjugação carnal e que atingem qualquer sexo) somente se a justifica deixar de levar em consideração o bem jurídico protegido (liberdade e dignidade sexual), apelando-se para razões culturais não mais condizentes com o atual estágio civilizatório: a vencida necessidade de maior proteção da mulher enquanto corpo sexualizado, e não da mulher enquanto sujeito direito.
Além disso, a própria idéia de que o estupro representa uma violação (que tem como primeiro sentido ofender com violência) já traz, em si, uma enorme carga sexista. Sem desmerecer o trauma e o drama vivido pelas mulheres que foram vítimas, perquire-se se não seria mais consentâneo com o projeto social igualitário pensar no estupro com sexo obrigado, no lugar de carregá-lo de significados e significantes provenientes da cultura patriarcal? Explica-se: tradicionalmente, a violação era havida como um desafio às regras familiares; a vítima, como depositária de honra do pai ou do marido, não era a personalidade da mulher; a ofensa era contra um corpo que pertencia a alguém (ao pai, ao marido). O objetivo da proteção era a idéia de feminino, não a dignidade da mulher. Aliás, outra importante alteração decorrente da Lei n. 12.015/2009, como já mencionado, foi ter substituído o nome do Título VI (que abriga o crime de estupro), que antes se denominava “crimes contra os costumes”, para “crimes contra a dignidade sexual”. Indubitavelmente, há uma violência em si, senão pela historia (patriarcal) desse tipo particular de violência?
Uma vez que o próprio teor legal explicita que o bem jurídico tutelado é liberado é a liberdade no exercício da sexualidade, o “objeto” de ataque não pode ficar circunscrito ao corpo (ou a uma parte dele), senão à faculdade pessoal de determinar-se neste âmbito de relação interpessoal. Tal faculdade, no ato sexual forçado, é atacada, seja por uma relação sexual não consentida pela mulher, seja por outros atos sexuais também não permitidos pela vítima (homem ou mulher), justificando que esses últimos ataques (quando de relevo) estejam previstos em um único tipo penal: o de estupro.
 Conforme mencionada anteriormente, a Lei n. 12.015/2009 promoveu a fusão de dois delitos (estupro e atentado violento ao pudor) em um único tipo penal (atual art. 213, do Código Penal). A nova Lei, entretanto, não resolveu (ou melhor, aprofundou) um antigo problema jurídico: ao fundir os dois delitos em um único tipo penal, o legislador acabor aumentando a impunidade, conforme afirma a Senador Marte Suplicy, e “isso de deve ao fato de que, atualmente, ao se deparar com a denúncia de prática de ato libidinoso não análogo à conjugação carnal, o juiz se vê ainda maus inclinado a não aplicar a pena do [novo] estupro, que, de fato, demostra-se excessiva para atos libidinosos sem penetração”
A vitimização criminal desta natureza envolve problemas além das questões policiais e de aplicação de pena via processo penal. É fato que é necessário observar a adequação da punição ao crime cometido; porem, para além dos debates que envolvem o Direito Penal e o Direito Processual Penal, afigura-se imprescindível o entendimento, por parte das autoridades responsáveis, da vasta gama de violações acarreta pelo crime contra dignidade sexual: aliada a questões da vergonha e do constrangimento em reportar um crime, freqüentemente reforçadas pelo atendimento inadequado em unidades policiais oi mesmo da área da saúde, as vítimas se vêem, não raro, envolvidas em problemas de  saúde, tais como a contaminação por doenças sexualmente transmissíveis e a ocorrência de uma gravidez indesejada. A subnotificação destes crimes, pode-se afirmar, decorre, em grande mídia, da revitimização (vítima secundaria),23 muitas vezes por conta de um atendimento inadequado, que desencoraja as vítimas a reportara violência sofrida, ademais, tal subnotificação gera reflexos não só no controle dos registros policiais, mas também na eventual tomada de providencias no realizado abortos clandestinos ou, como dito, contraído doenças sexualmente transmissíveis.
Quando maior for o apoio à mulher vítima de violência sexual, menor será o índice de subnotificação e mais se pode investir em estratégias de prevenção do crime. Essa assistência deve partir das instituições públicas (e privadas, em alguns casos). Os operadores do Direito, bem como os profissionais da área da saúde envolvidos na assistência, prevenção e repressão a crimes contra a dignidade sexual, devem observar as peculiaridades destes delitos e as demandas específicas das vítimas destes crimes, enquanto os operadores jurídicos devem ser satisfatoriamente instruídos acerca das eventuais conseqüências que a pratica de condutas na área da saúde pode acarreta, os profissionais da saúde precisam estar munidos de conhecimento acercados aspectos jurídicos e policiais referentes aos crimes em comento.

No terceiro item os temas já analisados no anterior serão vistos sob a perspectiva de violência domestica e familiar contra a mulher, objeto de proteção especial pela Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006). Haja vista a maior vulnerabilidade da mulher quando tal crime ocorre dentro do lar, entendeu-se relevante abordar os aspectos assistenciais, de prevenção e de proteção específicos e traduzidos pela referida Lei.
A Convenção de Belém do Pará, no seu art. 1º, define violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.  A Lei Maria da Penha, por sua vez, faz referencia expressa a cinco formas de violência: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, sendo que o rol é meramente ilustrativo, visto que o dispositivo encerra-se com a expressão “entre outras”.
A violência sexual é entendida pela Maria da Penha como “qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sexualidade, que impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que force ao matrimonio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de direitos sexuais e reprodutivos” (art. 7
º,III).
Por fim, também constitui violência sexual qualquer conduta que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Os direitos sexuais pressupõem a livre exploração da orientação sexual, podendo a pessoa promover a escolha do (s) parceiro (s) e exercitar a pratica sexual de forma dissociada do objetivo reprodutivo. Deve ser assegurado o direito á pratica sexual protegida de doenças sexualmente transmissíveis, além do necessário respeito à integridade física e moral.
Já os direitos reprodutivos levam em conta a livre escolha do número de filhos que um casal deseja ter, independentemente de casamento, sendo assegurado o direito ao matrimonio desde que haja concordância plena de ambos.
Todas as condutas acima mencionadas e que constituem violência sexual são objetos de uma particular assistência, também prevista na LMP:
Art. 9 A assistência à mulher em situação de violência domestica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânicas da Assistência Social, no Sistema Único de Saude, no Sistema  Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.
[...]
§ 3
º A assistência à mulher em situação de violência domestica e familiar compreenderá p acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

3. CONCLUSÃO
Por tudo isso, e muito mais, é que toda a mudança operada pela Lei 12.015/09, deve sim ser exaltada e elevada ao nível de avanço legislativo, pois marcou a ruptura da lei com ultrapassados conceitos de moral, que estavam justamente atravancando os avanço esperado.

Logo, aproveitando para responder a indagação feita, conclui-se que a nova expressão marcou de fato um verdadeiro avanço, possuindo perfeita consonância com a nova ótica constitucional, que reconhece dentre todas as garantias e direitos individuais, além da própria dignidade da pessoa humana, a pratica sexual também com um direito afeto, e por isso intrínseco à sua dignidade.

A legislação brasileira, no que tange à questão de gênero, como se viu, apresenta longo histórico de discriminação negativa, como exemplo, de textos legais, alguns relativamente recentes, que previam expressamente tratamento discriminatório em relação à mulher, a confirmar que o contexto social e cultural contribuiu para produzir e reforçar a crença na diferença, bem como a intolerância, fazendo-se refletir na norma positivada. As principais discriminações giravam em torno de questões sexuais.
A profunda modificação das estruturas de pensamento refletiu-se na produção legislativa, tornando possível, atualmente, mostrar necessidade e localizar exemplos de discriminação positiva da mulher no ordenamento jurídico brasileiro, como é o caso da Lei Maria da Penha, simbolismo da luta do movimento de mulheres pelo reconhecimento e garantia de uma vida digna e livre de violência (inclusive a sexual) como um direito fundamental, assegurado ademais, na órbita internacional. É por isso que se torna necessárias as implementações dos instrumentos, ações e programas assistenciais tanto na área da saúde quanto os disponíveis na fase policial.
Para além das normas legais que trazem a igualdade de tratamento entre homens e mulheres dos instrumentos, das ações e dos programas assistenciais, bem como da prevenção e repressão dos delitos contra a dignidade sexual, ainda se faz necessária um importante atitude, agora decorrente de um esforço individual: mudança interna de valores socioculturais, que leve à erradicação do sistema patriarcal, responsável direito pela opressão feminina/dominação masculina. O esforço da mudança que alcance cada um pode levar a uma alteração da forma de viver em sociedade. “Enquanto não houver uma mudança de mentalidade, o patriarcalismo jurídico continuará a permear as relações entre mulheres e sistema jurídico”.

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NOTAS


1.       HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959,p. 92-93. V.8.

2.       HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 103-104. V.8.

3.       LOBO, Ana Maria; ZAPATER, Maíra. O livre exercício dos direitos reprodutivos: vinculação ao exercício regular (izado) dos direitos sexuais? Uma reflexão. In: IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia; FACHIN, Melina G. (Org). Direitos humanos na ordem contemporânea: proteção nacional, regional, e global. Curitiba: Jaruá, 2010, p. 335 v. IV.

4.       LOBO, Ana Maria; ZAPATER, Maíra, o livre exercício dos direitos reprodutivos: vinculação ao exercício regular (izado) dos direitos sexuais? Uma reflexão. In: IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia; FACHIN, Melina G. (Org). Direitos humanos na ordem contemporânea: proteção nacional, regional e global. Curitiba: Juruá, 2010, p. 341. v. IV.

5.       BEDONE, Aloisio José;  FAÚNDES, Anibal. Atendimento integral às mulheres vítimas de violência sexual: Centro de Assistência Integral à Saude da Mulher, Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v23n2/24.pdf.

6.       IX- pelo casamento da ofendida com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, salvo se cometido com violência ou grave ameaça e se ela não requer o prosseguimento da ação penal no prazo de sessenta  dias a contar das celebração; (Redação dada pela Lei n. 6.416, de 1977)

7.       Vale observar que a Súmula 608 do STF (No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é publica incondicionada) perde sua aplicabilidade, na medida em que as novas disposições legais sobre a ação penal nos crimes sexuais asseguram, a um só tempo, o caráter de interesse público na persecução criminal do autor desse tipo de delito e a intimidade da vítima que, se maior idade capaz, poderá optar por não oferecer representação

8.       A vitimização secundaria ou sobrevitimização é causada pelas instancias formais de controle sócias, no decorrer da investigação criminal ou do processo penal. Cf. GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antônio García-Pablos de. Criminologia.3. ed. Tradução de Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ. Fernando. Artigo científico. A Objetividade Jurídica Nos Crimes Contra a Dignidade, Disponível em http://capez.taisei.com.br/capezfinal/index.php?secao=27&subsecao=0&con_id=5647. Acessado em 20/04/2014.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial, Volume III – 7ª ed. – Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2010

NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual: Comentários à Lei 12.015. de 07 de Agosto de 2009 – São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais – 2009.

BIANCHINI, Alice. Artigo científico. A Mulher e os Crimes Contra a Dignidade Sexual, Disponível em http://www.clinicadeadvocacia.adv.br/pdf/A MULHER E OS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL (1).docx. Acessado em 25/04/14

Legislação modificada

Código Penal de 1830
http://www.planalato.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.html

Código Penal de 1890
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=847&tipo_norma=DEC&data-18901011&link=s

Código Penal de 1940
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102343