11. INTRODUÇÃO
De acordo com o nosso ordenamento jurídico, são
considerados inimputáveis os agentes que possuem doenças mentais ou
desenvolvimento mental incompleto (Art. 26. CP), sendo assim, os chamados
"loucos infratores" são encaminhados através de medidas de segurança
aos manicômios judiciários, atualmente conhecidos como hospitais de custódia e
tratamento psiquiátrico. O que ocorre é que na maioria das vezes esses
indivíduos não recebem o tratamento necessário e permanecem presos até o final
de suas vidas, violando os direitos fundamentais de qualquer ser humano,
principalmente os que necessitam de um tratamento específico.
22. A INCAPACIDADE DO DEFICIENTE MENTAL
A personalidade civil é formada a partir do nascimento
com vida, juntamente com a capacidade de gozar de seus direitos e deveres.
Entretanto, alguns indivíduos são considerados absolutamente incapazes de
responder pelos atos da vida civil por si só, "II - os que por enfermidade
ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática
desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir
sua vontade" (Art. 3º, incisos II e III, C.C).
Portanto, os absolutamente incapazes só terão a
capacidade de contrair direitos, sem aptidão para exercê-los, podendo ser
representados através da interdição, um processo judicial onde o portador de
enfermidades mentais é analisado por um perito médico, declarado civilmente
incapaz e analisado pelo juiz. Após a interdição, é necessário declarar um
representante do agente, podendo ser um familiar, e na ausência dos mesmos,
alguém indicado pelo juiz.
33. MEDIDAS DE SEGURANÇA
3.1.
CONCEITO
Trata-se de
uma espécie de sanção penal, aplicando do devido tratamento aos indivíduos
inimputáveis que vem a infringir as normas penais. "É o meio empregado à
defesa social e o tratamento do indivíduo que comete crime e é considerado
inimputável" (Curso de Direito Penal, p. 252).
Em regra,
aplica-se a medida de segurança detentiva, que poderá ser substituída pelo
tratamento ambulatorial, onde são oferecidos os cuidados médicos ao indivíduo.
3.2.
ESPÉCIES
DE MEDIDAS DE SEGURANÇA
O Código Penal dispõe duas espécies de medidas de
segurança, sendo elas: "Internação em hospitais de custódia e tratamento
psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a
tratamento ambulatorial" (Art. 96, incisos I e II, CP).
Em relação ao prazo, a lei diz que será o mínimo de 1
(um) a 3 (três) anos, e o máximo será por tempo indeterminado, enquanto não for
feita a averiguação por meio de perícia
médica até cessação de periculosidade.
44. ASPECTOS GERAIS
4.1.
LEVANTAMENTO
HISTÓRICO DOS HOSPITAIS DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIATRICO NO BRASIL
Os hospitais intrínsecos para receber os "loucos
infratores" surgiram no Brasil ao longo do século XX, os HCTPs (Hospital
de Custódia e Tratamento Psiquiátrico) inicialmente chamados de manicômios judiciários,
criados na década de 1920, tinha como objetivo retirar os indivíduos das ruas e
da Santa Casa de Misericórdia, surgindo assim o primeiro hospital psiquiátrico
no Brasil - o Hospício de Pedro II, em 1921 e a partir daí, os HCTPs incumbiram-se
pelo cumprimento das medidas de segurança.
Atualmente, existem 26 hospitais de custódia
funcionando no país, em 2011 uma pesquisa informou que os estados de Maranhão,
Acre, Goiás, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Amapá e Roraima não possuíam HCTP.
No Sudeste se encontram 38% dos estabelecimentos, seguido por Nordeste, com
31%. O Sul e o Norte possuem 12%, já O Centro-Oeste apenas 8%.
4.2.
REFORMA
PSIQUIÁTRICA
Os hospitais de custódia resistiram à Reforma Psiquiátrica,
que surgiu após a promulgação da Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, qual
dispõe em seus artigos um novo modelo de saúde mental, frisando os direitos e
as proteções dos indivíduos portadores de transtornos mentais.
Após a lei, o Brasil se tornou integrante de um grupo
de países com uma legislação em plena harmonia com as OPAS (Organização Mundial
da Saúde e seu Escritório Regional para as Américas), estabelecendo diversos
direitos e um novo rumo para a assistência psiquiátrica, regulamentando as
internações involuntárias que foram colocadas sob o controle do Ministério
Público.
55. A TRISTE REALIDADE DENTRO DOS MANICÔMIOS E A VIOLAÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS
A exclusão e o preconceito com os indivíduos
portadores de deficiências mentais existem há muitos anos, hodiernamente, isso
não tem mudado muito. Os mesmos continuam invisíveis perante o Estado, a
sociedade e até mesmo por seus familiares, pois entrar em um manicômio pode ser
considerado um caminho sem volta.
De acordo com o Art. 150, § 1º do Código de Processo
Penal, o prazo de espera do laudo psiquiátrico é de 45 dias, mas, em média, o
tempo que se espera pelo mesmo são dez meses e 41% dos exames de cessação de
periculosidade também se encontram atrasados. A invisibilidade desses sujeitos
pode ser reconhecida facilmente, em pouco mais de nove décadas de história dos manicômios
judiciários no Brasil, a contagem dos internados não havia sido efetuada.
Mas o descaso não acaba por aí: em uma visita
realizada pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) a Penitenciária
Feminina, onde possuem presas em regime de cumprimento de pena fechado e
semiaberto, foi revelado que as internas que possuíam transtornos mentais
conviviam juntamente com as outras, e sem diferença nenhuma em seu tratamento,
na espera do resultado do laudo médico.
Em cárcere privado algo que é muito marcante é a perda
de identidade. O esquecimento e a falta de perspectiva faz com que os presos se
sintam mortos, já que a sociedade não tem lugar para os mesmos. Desprovidos de
suas vestes, de seus direitos de ir e vir, maltratados, controlados compulsoriamente
e entregues a altíssimas doses de remédios, os encarcerados perdem pouco a
pouco sua individualidade.
A situação em que se encontram os HCTPs é caótica, o
descaso com os pacientes é muito grande e mesmo após a reforma psiquiátrica, o
tratamento continua desumano, sem recursos, esquecido pelas autoridades e
mostrando a incapacidade do sistema em garantir ao menos as condições legais em
relação a direito e proteção.
5.1.
A INJUSTIÇA CONTIDA NA OBRIGATORIEDADE DA
INTERNAÇÃO
O agente inimputável que comete atos antijurídicos é
obrigado por lei a ser internado e sancionado com reclusão, o que é
visivelmente injusto. Um agente que possui uma família que tenha condições
suficientes de cuidar e dar o suporte necessário para seu tratamento, não tem
necessidade de ser internado, caberia então a ele à aplicação de algo mais
adequado como o tratamento ambulatorial.
A questão que deve ser analisada é a deficiência do
agente e não apenas a gravidade de suas ações, uma vez que possuem uma anomalia
psíquica que precisa ser tratada, o que não ocorre nos hospitais de custódia e
o mesmo recebe a pena igual de um indivíduo absolutamente capaz.
5.2.
PRISÃO PERPÉTUA
Segundo o Dicionário, perpétuo é aquilo que não cessa;
que dura para sempre, e é baseado nisso que muito dos chamados "loucos
infratores" vivem. Mas ao contrário do que se pode parecer, e o limite
máximo da pena no Brasil é de 30 anos e a prisão perpétua é expressamente proibida
pela Constituição Federal em seu Art. 5º, inciso XLVII, alínea B.
De acordo com o Censo inédito realizado em 2011, entre
homens e mulheres internados somam um total de 3.989 indivíduos, dentre estes,
741 já deveriam estar em liberdade, porém, continuam cumprindo a pena a muito
mais tempo do que o previsto e 0,5% estão encarcerados há mais de 30 anos.
Ainda sobre esse aspecto, Eugenio Zaffaroni diz que
"não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se
estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como coerção
penal. não é
constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça uma
privação de liberdade perpétua Se
a lei não estabelece o limite máximo, é o intérprete quem tem a obrigação de
fazê-lo" (ZAFFARONI, 1998, p. 858).
66. FILME-DOCUMENTÁRIO "A CASA DOS MORTOS"
A
Casa dos Mortos é um documentário curta-metragem realizado com a direção e
roteiro da antropóloga, documentarista, professora da Universidade de Brasília
e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS)
Debora Diniz, que mostra exatamente o dia-a-dia dos internados nos hospitais de
custódia.
Possuindo apenas
24 minutos, o filme-documentário é dividido em três cenas que abordam vários
temas, como por exemplo, o comportamento agressivo, as condições que levam a
cometer o suicídio, o vicioso ciclo de remédios, a ausência de tratamento
adequado e as penas excessivas.
Juntamente com o
filme, é narrado um poema escrito durante as filmagens por Bubu, um poeta com
12 internações em manicômios judiciários, que possui um laudo comprovando sua
sanidade mental e mostra que o mesmo não foi o suficiente para sua liberdade.
Em um trecho do poema, Bubu mostra a realidade em que vive, e que os manicômios
fazem jus ao nome dado por ele, "a casa dos mortos":
E, ainda sobre as 3 cenas:
são 3 cenas de um mesmo filme-documentário:
Cena 1, das mortes sem batidas de sino;
Cena 2, das overdoses usuais e ditas legais;
Cena 3, das vidas sem câmbios lá fora
– que se reescrevam, então,
Os Infernos de Dante Alighieri;
mas, aqui é a realidade manicomial!
são 3 cenas de um mesmo filme-documentário:
Cena 1, das mortes sem batidas de sino;
Cena 2, das overdoses usuais e ditas legais;
Cena 3, das vidas sem câmbios lá fora
– que se reescrevam, então,
Os Infernos de Dante Alighieri;
mas, aqui é a realidade manicomial!
[...]
Isto é um veredicto!
– tomara que fosse um ultimatum
à casa dos mortos!
– tomara que fosse um ultimatum
à casa dos mortos!
77.
CONCLUSÃO
É fácil perceber
que a questão dos infratores portadores de anomalia psíquica vem acompanhada de
uma justiça criminal falha, do descaso do Estado e as autoridades, exclusão e
preconceito da sociedade, e o mais triste de todos que é o abandono.
Um Estado
democrático de direito que dispõe em sua Constituição a prevalência dos
direitos humanos jamais poderia ser omisso a essa questão. O que se pode ver é
que ao se tratar de um "louco infrator", a justiça reconhece apenas a
delinquência, e se esquece de que a medida de segurança não é apenas sancionar
e sim aplicar o tratamento necessário.
O ciclo de
internações e remédios de alta dosagem é vicioso, os casos de suicídios dentro
dos manicômios são muitos, mostrando que muitos preferem a morte ao continuarem
presos nesses locais sem estrutura. O documentário citado acima mostra com
clareza que esses indivíduos cometem atos antijurídicos por não possuírem
discernimento mental, que necessitam de cuidados especiais com eficácia, e que
privá-los de seus direitos, de sua liberdade nem sempre são as melhores
soluções.
Segundo Luigi
Ferrajoli:
Acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa
humana impõe uma limitação fundamental em relação à quantidade da pena. É este
o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte,
das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisão perpétua e
das penas privativas de liberdade excessivamente extensas. [...] um Estado que
mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade,
se não que contradiz sua razão de ser, colocando-se ao mesmo nível dos mesmos
delinquentes. (FERRAJOLI, 2002, p.318).
A situação em
que se encontram os manicômios judiciários pode ser considerada
inconstitucional, pois é totalmente contrária a vários princípios fundamentais
do nosso ordenamento jurídico e mostram que precisam da atenção e do
suporte do Estado. Uma vez que o tratamento não é realizado, a cessação de
periculosidade nunca acontecerá, entretanto, mesmo aqueles que já possuem o
laudo provando sua capacidade, continuam condenados a passar o resto de suas
vidas privados de sua liberdade.
É necessário
então que se entenda que, quando se tem o poder não é difícil retirar do
convívio social os indivíduos indesejados pela sociedade, pois segundo
Foucault, o sistema deixa viver quem é importante e morrer quem não interessa,
e é exatamente essa a atual realidade dos Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico no Brasil.
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Antônio. Curso de processo penal, volume 1 / Heráclito Antônio Mossin. - São
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de Souza. Código penal comentado / Guilherme de Souza Nucci. - 10. ed.
rev., atual e ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010.
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Harold I. Kaplan, Benjamin J. Sadock e Jack A. Greb; trad. Dayse Batista. - 7.
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pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
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Acessado em: 28 abr. 2014.
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de. Direito penal, volume 1 : parte geral / Damásio de Jesus. - 32. ed. - São
Paulo : Saraiva, 2011.
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Acessado em 27 abr. 2014.
FERRAJOLI,
Luigi. Direito e Razão : teoria do garantismo penal / Luigi Ferrajoli. - São
Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002.
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CIÊNCIA. Censo inédito aponta
violações aos direitos humanos nos manicômios judiciários do país. 14 dez.
2012. Disponível em: <http://www.unbciencia.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=558:censo-inedito-compoe-perfil-dos-loucos-infratores-no-brasil&catid=35:servico-social>.
Acessado em 24 abr. 2014.
REVISTA DA SJRJ - JUSTIÇA FEDERAL. A criminalização
da loucura no modelo jurídico-terapêutico-punitivo-prisional dos hospitais de
custódia e tratamento psiquiátrico. <http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/428/3633>. Acessado em 20 abr. 2014.
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DF: Senado, 1988.
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MORTOS". Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=bxitnTkKnOs>
Acessado em 20 abr. 2014.
FOUCAULT,
Michel. História da loucura na Idade Clássica. Disponível em: <http://www.uel.br/projetos/foucaultianos/pages/arquivos/Obras/HISTORIA%20DA%20LOUCURA.pdf>.
Acessado em 22 abr. 2014.