sábado, 3 de maio de 2014

DANO MORAL

SUMÁRIO: 1. Conceito de dano moral - 1.1 Conceito negativo ou excludente - 1.2 Dano moral como dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa - 1.3  O surgimento dos direitos da personalidade - 1.3.1 Dano moral como lesão a direito da personalidade - 2. A aptidão dos direitos da personalidade para gerar vantagem econômica. - 3. Desnecessidade de alterações psicológicas ou perturbações do espírito para configuração do dano moral. - 3.1 Pessoas jurídicas. - 3.2 Doentes mentais e pessoas em estado comatoso. - 3.3 Crianças. - 3.4 Nascituro. - 4. Dano moral em caso de descumprimento de obrigação contratual. - 5. Conclusão.







1. Conceito de dano moral

Se a existência do direito à indenização por dano moral é, hoje, inquestionável, o mesmo não se pode dizer quanto ao seu conceito. A doutrina ainda não assentou, em bases sólidas, o conceito de dano moral. Em conseqüência, a jurisprudência se mostra vacilante no reconhecimento das situações em que se configura essa espécie de dano.
Superando um conceito que se poderia denominar “negativo” ou “excludente”, a doutrina se divide entre os que identificam o dano moral com a “dor”, e os que vêem no dano moral a violação de bem, interesse ou direito integrante de determinada categoria jurídica. Passem-se em revista esses conceitos.



1.1 Conceito negativo ou excludente

A doutrina define o dano moral sob a forma negativa, em contraposição ao dano material ou patrimonial. Procura-se, desse modo, conceituar o dano moral por exclusão.
Na doutrina francesa, o dano moral é o que não atinge de modo algum ao patrimônio e causa tão só uma dor moral à vítima.
Na doutrina nacional é freqüente o emprego da conceituação negativa. Quando ao dano não correspondem ás características do dano patrimonial, dizemos que estamos em presença do dano moral.
Desse modo definimos os danos morais: “São lesões sofridas
pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.



1.2 Dano moral como dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou
espiritual da pessoa

Buscando adentrar o próprio conteúdo do dano moral, parte da doutrina apresenta definições que têm, em comum, a referência ao estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa. Identifica-se, assim, o dano moral com a dor, em seu sentido mais amplo, englobando não apenas a dor física, mas também os sentimentos negativos, como a tristeza, a angústia, a amargura, a vergonha, a humilhação. É a dor moral ou o sofrimento do indivíduo.
para caracterizar o dano moral impõe-se compreendê-lo em seu conteúdo, que: “...não é o dinheiro nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo significado. A existência do dano moral exige a alteração no bem-estar psicofísico. Modificação capaz de gerar angústia, menoscabo espiritual, perturbação anímica e algum detrimento que não tem ênfase no patrimônio.
As dores, angústias, aflições, humilhações e padecimentos que atingem a vítima de um evento danoso não constituem mais do que a conseqüência ou repercussão do dano (seja ele moral ou material). A dor sentida em razão da morte do cônjuge, a humilhação experimentada por quem foi atingido em sua honra, a vergonha daquele que ficou marcado por um dano estético, a tensão ou a violência experimentados por quem tenha sido vítima de um ataque à sua vida privada são, estados de espírito de algum modo contingentes e variáveis em cada caso e que cada qual sente ou experimenta a seu modo.


1.3 O surgimento dos direitos da personalidade

        Muito se debate acerca dos chamados direitos da personalidade. Parte da doutrina considera-os como direitos inatos ou inerentes ao homem, existentes independentemente do direito positivo, que se limita a reconhecê-los e sancioná-los, conferindo-lhes maior visibilidade e dignidade. Assim, antes mesmo da positivação estatal os direitos da personalidade já seriam passíveis de proteção jurídica.
        O triunfo do liberalismo e a influência da Escola do Direito Natural – no qual o direito natural desfrutava a primazia sobre o direito positivo – deram impulso à concepção de direitos “inatos”, “originários” e “irrenunciáveis” do homem. Cunhou-se a idéia de um direito geral derivado da personalidade humana.
        A idéia de um “direito geral de personalidade” reemergiu a partir da segunda metade do século passado, com o fim da segunda grande guerra. O impacto causado pelas atrocidades cometidas no conflito mundial e o crescimento da sociedade de consumo levaram a uma busca pela ampliação da tutela da personalidade humana. A tutela de aspectos particulares da personalidade se mostrou insuficiente para a proteção do homem na sociedade atual. Passaram as constituições e os textos infraconstitucionais de diversos países, então, a admitir a existência de um direito geral de personalidade.
        Seguindo essa tendência global, a nossa Constituição Federal, no art. 1º, III, estabeleceu como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana, expressão síntese dos atributos que compõem a pessoa e que apela ao respeito ao indivíduo, enquanto tal, nas diversas e complexas manifestações de sua personalidade.
        Mais que à lei, cabe à doutrina e à jurisprudência a identificação e definição dos direitos da personalidade, que se encontram em constante expansão. A cada dia um novo aspecto da personalidade humana é destacado e elevado à condição de interesse juridicamente protegido. Por isso, qualquer tentativa de enumeração exaustiva desses direitos estaria fadada ao fracasso.
       



1.3.1 Dano moral como lesão a direito da personalidade

        O dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima.
        Grande parte da dificuldade na aceitação da indenizabilidade da ofensa aos bens da personalidade independentemente da repercussão que essa ofensa produza no estado psicológico ou no espírito da pessoa reside na própria denominação a essa espécie de dano.
O vocábulo “moral” remete aos domínios do espírito humano, o que sugere que o dano moral seja aquele que invade e afeta esses domínios.
Mais adequada, talvez, fosse a denominação de dano à pessoa, para assinalar a idéia de ofensa a algum dos atributos da personalidade. Mas essa denominação certamente também não estaria livre de críticas, porque, do ponto de vista semântico, a expressão dano à pessoa não é excludente dos danos patrimoniais indiretos decorrentes da lesão sofrida pela pessoa. Já se enraizou em nossa tradição a expressão dano moral, que é a empregada pela nossa Constituição e por diversos diplomas legais (em especial pelo novo Código Civil). É, também, expressão disseminada, nos países de tradição romano-germânica. Na França, dommage moral ou préjudice moral; na Espanha, daño moral; na Itália, danno morale.





2. A aptidão dos direitos da personalidade para gerar vantagem econômica.

        A violação dos bens ou direitos da personalidade também pode provocar dano material, como, aliás, é reconhecido nos incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal, os quais aludem não só a dano moral, mas também ao dano material decorrente de ofensa à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
        De fato, não é raro, v. g., que a ofensa à honra, à imagem ou à intimidade venha a ocasionar um prejuízo econômico à vítima. Imagine-se a hipótese da artista que deixa de celebrar contrato de publicidade de determinado produto infantil em razão de publicação em jornal sensacionalista de fotografia sua, sem roupas, no recinto de sua casa, tirada clandestinamente por terceiro, com teleobjetiva.A par do dano moral, consistente no ataque à sua intimidade, a vítima também teria sofrido prejuízo econômico.
        A um tal argumento se responderia que os bens ou direitos personalíssimos, embora não sejam alienáveis ou estimáveis pecuniariamente, podem ter um valor econômico, na medida em que venham a constituir instrumento gerador de lucro ou vantagem econômica para seu titular. Isso não significa que tais bens integrem, por natureza, o patrimônio econômico ou material da pessoa, ou possam ser reduzidos à categoria de bens ou direitos patrimoniais.
        Pode-se, pois, afirmar que o dano patrimonial pode ou não decorrer (ser conseqüência) da ofensa a um bem personalíssimo, enquanto que o dano moral sempre consistirá na própria ofensa a um bem dessa natureza.


3. Desnecessidade de alterações psicológicas ou perturbações do espírito para
configuração do dano moral     

        Aceita a proposição de que o dano moral tem como pressuposto a ofensa ou violação a algum direito da personalidade, impõe-se examinar a possibilidade de o dano moral se configurar em casos nos quais a pessoa não sofre transtorno psicológico ou
espiritual. A análise de situações particulares evidencia que, se é verdade que nem todo mal-estar configura dano moral, é igualmente verdade que nem todo dano moral causa mal-estar.
        A necessária associação do dano moral a sensações de dor ou sofrimento, ou a sentimentos tais como tristeza, mágoa, vexame, vergonha, deixa a descoberto várias possíveis lesões de direitos da personalidade, as quais podem não gerar processos psicológicos dessa natureza. Mas nem por isso tais lesões devem ser toleradas ou estar isentas de sanção.



3.1 Pessoas jurídicas

        As pessoas jurídicas não seriam suscetíveis de dano moral se este supusesse, sempre, a perturbação psíquica ou do espírito, fenômenos que somente se manifestam na pessoa humana. Mas, exatamente porque essas reações psicológicas não se confundem com o dano moral e nem constituem conseqüência necessária deste, é que as pessoas jurídicas podem vir a sofrer dano dessa natureza.
        A doutrina e a jurisprudência entendem que a pessoa jurídica é titular de honra objetiva (ou externa), sinônima de reputação, caracterizada pelo conceito ou pela consideração da pessoa no meio social. Difere da honra subjetiva (interna; honra-decoro ou honra-dignidade), que se caracteriza pelo sentimento da própria dignidade ou dos próprios atributos; é o juízo que cada um faz de si mesmo. A honra objetiva dispensa toda e qualquer manifestação psíquica ou anímica.
        Outro equívoco, no entender que a pessoa jurídica não pode padecer dano moral, é a conclusão errônea, sem embargos da fama de seus adeptos, na direção de que a configuração do dano moral somente ocorre quando existe repercussão na psique de uma pessoa. Também é dano moral qualquer violação a direitos personalíssimos e, estes, por analogia, as pessoas jurídicas os têm.
        A possibilidade de a pessoa jurídica vir a ser sujeito passivo de dano moral se encontra consagrada na Súmula 227 do STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.


3.2 Doentes mentais e pessoas em estado comatoso 
       
        Os doentes mentais ou as pessoas em estado vegetativo, embora nem sempre sujeitos a manifestações psíquicas ou sensoriais negativas diante da ofensa a algum direito de sua personalidade, também fazem jus a indenização por dano moral.
        O que qualifica o dano moral,é a atividade lesiva ou danosa, ou seja, o só ataque a interesse não patrimonial da vítima, “sem que para definir sua existência deva requerer-se que ela o compreenda ou perceba.
3.3 Crianças

        Ninguém há de negar às crianças, a titularidade de direitos
tais como a dignidade e a incolumidade física, inerentes que são ao ser humano.Todavia, nem sempre a lesão a algum desses direitos será apto a provocar dor, mal estar ou qualquer alteração na psique do infante.
        Figure-se a situação, lamentavelmente mais comum do que se imagina, talvez um bebê, vítima de crime sexual. Ainda que o infante não tenha sentido dor física, nem sofrido emocionalmente, por não ter maturidade intelectual para tanto, configurado estará o dano imaterial. Inegável será o seu direito de obter indenização contra o ofensor.


3.4 Nascituro

        Estabelece o art. 2º do  Código Civil que: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
        Ante o reconhecimento legal dos direitos do nascituro não há como negar a possibilidade de, com o seu nascimento com vida, vir ele a pleitear indenização por deformações ou problemas físicos permanentes resultantes, por exemplo, de mau acompanhamento médico, falta de exames ou prescrição errada de medicamento em exame pré-natal. A falta de consciência do problema por parte do nascituro não exclui essa possibilidade.
       

4. Dano moral em caso de descumprimento de obrigação contratual

        Inicialmente, para a configuração do dano moral contratual, impõe-se a existência de uma obrigação preexistente, emanada de um contrato ou de um ato jurídico válido, seguida do inadimplemento (absoluto ou relativo) da obrigação. Esse inadimplemento deve, então, ser relacionado como causa (nexo de causalidade), direta ou indireta, de ofensa a algum direito da personalidade.
        O credor que deixa de receber o valor que lhe é devido e tem que recorrer ao Judiciário para buscar o cumprimento de sua obrigação comumente se sente aborrecido, contrariado, desgastado, até exasperado.
        Já se decidiu que o atraso na entrega de obra de construção de imóvel pode gerar dano moral em casos especiais, nos quais o retardamento causa constrangimentos que vão além do simples aborrecimento pelo atraso em si.
        Há situações, ainda, nas quais o contrato constitui apenas a oportunidade para o dano moral, como ocorre no caso de assédio sexual ou de outros constrangimentos a que o empregado é submetido pelo patrão. O dano moral, em tais situações, não será gerado a partir do descumprimento de alguma obrigação especificamente pactuada, mas da violação direta do dever geral (de índole constitucional) de respeito e consideração pela dignidade humana.
Observe-se, por fim, que o dano moral contratual pode decorrer de inadimplemento contratual culposo. Não há nenhuma exigência de que a conduta do ofensor seja dirigida dolosamente ao descumprimento do contrato.




5. Conclusão

        Dano moral não se confunde com dor, sofrimento, tristeza, aborrecimento, infelicidade, embora, com grande freqüência, estes sentimentos resultem dessa espécie de dano.





Bibliografia:

 MELLO DA SILVA, Wilson. 3ª ed. O Dano Moral e a sua Reparação.

BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade.

BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. 2ª ed. São Paulo

LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado.