Elaborado em 19/04/2014.
SUMÁRIO:
1.
Introdução - 2. Abordagem histórica - 3. Constituição e Leis Civis - 4. Caso
concreto - 5. Conclusão.
1
- INTRODUÇÃO
A falha de um médico no exercício de sua profissão é difícil de ser
identificada sem que haja um pronunciamento jurisdicional. Antes disso, o que
se tem é a suposição de erro, invariavelmente motivada pelo dano físico e moral
que atinge o paciente, o que também se compreende.
A controvérsia que se instala a partir da dor, que pode alcançar o corpo
ou o sentimento, encontra no âmbito jurídico a elucidação da culpa ou não.
Embora, geralmente, prima facie, surja
a falta de êxito, nas questões relativas à vida ou à sua qualidade, como
atentado à dignidade humana, as dúvidas se dirimem com a interpretação e
aplicação da legislação.
2
- ABORDAGEM HISTÓRICA
Na antiguidade a tentativa de
cura, por ausência de conteúdos científicos, se dava pela confiança em poderes divinos.
Sacerdotes de religiões que integravam o sistema politeísta, notadamente nas
regiões ocupadas pelas Civilizações Fluviais, exerciam o mister.
Evidentemente, que o eventual
fracasso, originário apenas da prática, geraria nos familiares do enfermo o
sentimento de represália.
Naturalmente, como revela a
história, o ramo de conhecimento da cura, começou a gradativamente ganhar
contornos mais nítidos de ciência, se distanciando da "sorte ou azar",
restando os seus agentes, passíveis a sanções e penas pecuniárias. No dizer de
Miguel kfouri Neto [1]:
[...] " O primeiro documento histórico que
trata do problema do erro médico é o Código de Hamurabi (1790-1770 a.C.), que
também contém interessantes normas a respeito da profissão médica em geral.
Basta dizer que alguns artigos dessa lei (215 e ss.) estabeleciam, para as
operações difíceis, uma compensação pela empreitada, que cabia ao médico.
Paralelamente, em artigos sucessivos, impunha-se ao cirurgião a máxima atenção
e perícia no exercício da profissão; em caso contrário, desencadeavam-se
severas penas que iam até a amputação da mão do médico imperito (ou
desafortunado). Tais sanções eram aplicadas quando ocorria morte ou lesão ao
paciente, por imperícia ou má prática, sendo previsto o ressarcimento do dano
quando fosse mal curado um escravo ou animal." [...]
[...] "A
responsabilidade civil recebeu do Direito Romano os princípios genéricos que
mais tarde seriam cristalizados nas legislações modernas. Antes tinha lugar a
vingança privada, forma primitiva, selvagem talvez, mas até certo ponto
derivada da natureza humana e compreensível, de reação contra o mal
sofrido."
"Posteriormente, a vingança privada,
como forma de repressão do dano, passou para o domínio jurídico: o poder
público passa a intervir no sentido de permiti-la ou excluí-la, quando
injustificável." [...]
[...]
"Passa-se, empós, à
compensação tarifada, prevista na Lei das XII Tábuas, que fixava, para cada
caso concreto, o valor da pena a ser pago pelo ofensor."
"Sobrevém, então, a Lei Aquília (ano
468) e tem início a generalização da responsabilidade civil." [...]
[...] "Ainda na Grécia, com fundamento nas
regras adotadas no Egito, chegou-se a admitir a culpa médica quando preenchidas
duas condições: a) morte do paciente; b) desobediência à prescrições geralmente
reconhecidas como fundamento indiscutível da atividade sanitária." [...]
A despeito da
afirmação da Academia de Medicina de Paris, e com o passar dos séculos, é límpida
a observação de que os Tribunais Franceses atuaram com imparcialidade, na questão
do erro médico como narra, ainda na nesta matéria, Miguel Kfouri Neto:
[...] "Já
no começo do século XIX, quase desapareceu a responsabilidade jurídica, com a
decisão da Academia de Medicina de Paris, em 1829, que proclamou a exclusiva
responsabilidade moral dos profissionais da arte de curar." [...]
[...] "Um doente, em Toulon, operou um fibroma no
braço esquerdo. A intervenção foi normal. Surgiu, entretanto, uma paralisia no
braço direito. Os peritos concluíram que o acidente proveio de um fato raro
(compressão devido ao mau posicionamento durante a operação). Alegou-se que o
cirurgião, preocupado unicamente com o ato cirúrgico em si, não foi negligente,
nem imprudente, mas cometeu uma simples desatenção absolutamente escusável. O
Tribunal entendeu, contudo, contrariando os peritos, que o cirurgião deveria
ter levado em conta o acidente raro, mas não imprevisível." [...]
[...] "O primeiro julgado, em França, que
inaugura a jurisprudência sobre a perda de uma chance, é da 1ª Câmara Civil da
Corte de Cassação, reapreciando caso julgado pela Corte de Apelação de Paris,
de 17.07.1964. O fato ocorreu em 1957. Houve um erro de diagnóstico, que
redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se em 1ª instância que, entre o
erro do médico e as graves consequências (invalidez) do menor, não se podia
estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. A Corte de Cassação
assentou que: “Presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem
conduzir à responsabilização”. Tal entendimento foi acatado, a partir da
avaliação de o médico haver perdido uma chance de agir de modo diverso – e
condenou-o a uma indenização de 65.000 francos." [...]
3
- CONSTITUIÇÃO E LEIS CIVIS
No
Brasil, as Constituições outorgadas e promulgadas no século XX ampararam a
obrigação de indenizar, e nelas se inclui a Constituição Federal de 1988,
notadamente em seu artigo 5°, inciso X, ao estabelecer que " todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação."
Mencionada
normatização está prevista no Artigo 927 do Código Civil, sendo dispositivo
correspondente o Artigo 159 da Lei 3.071, de 1°.01.1916.
O teor do Parágrafo Único traz a exigência
de indenizar a pretexto da responsabilidade conferida a uma pessoa física ou
jurídica, sem averiguação de culpa:
"Aquele
que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo. Parágrafo
único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de
culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem."
Todavia, primeiramente, submetem-se à
análise os artigos 186 e 187 do Diploma Legal, para a apuração da lesão ao
direito individual, para que marche para coisa julgada. Respectivamente estão
assim expressadas as partes da matéria, que se relacionam com o dispositivo:
"Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
"Também comete ato ilícito o titular de
um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."
Não se pode olvidar do
Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, de onde é possível extrair o
entendimento de que a responsabilidade do profissional é subjetiva e não
objetiva. Tendo que haver nexo causal entre a conduta do agente e o dano
ocorrido.
4 - CASO CONCRETO
Nesta
esteira faz-se um exercício de raciocínio, em um caso concreto, da pretensão de
indenização, por erro médico, sucintamente relatada abaixo, sendo certo que o
acesso foi permitido apenas para estudo acadêmico, sob o compromisso de respeitar
o artigo 5°, inciso X da Constituição Federal e cuja a fonte encontra-se sob a
égide do artigo 7º, inciso II, da lei 8.906/94:
Que a Autora teria se submetido a
tratamento de quimioterapia em um determinado hospital, sendo cuidada pelo
médico Réu, o qual a teria informado sobre a necessidade de realizar cirurgia
para extração de câncer na mama direita.
Alega a Autora que o médico Réu teria realizado a cirurgia e, sem sua
autorização, colocado uma prótese em seu seio direito e outra no seio esquerdo.
Afirma que após a operação sentia muitas dores e teria sofrido complicações com
a prótese colocada no seio que estava com câncer, a qual teria se deslocado
para a axila direita.
Consta ainda da exordial, que o Réu teria usado maus procedimentos para
a retirada da prótese, tais como anestesia local, equipamentos não
esterilizados corretamente e retirada de quatro seringas com pus de sua mama
direita sem anestesia, o que lhe causou insuportáveis dores. Aduz ter sido
mutilada sem necessidade, por isso ficou com um quadro depressivo intenso.
A Autora pleiteia a condenação solidária dos
Réus ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor equivalente
a 200 (duzentos) salários mínimos, que perfazem a importância de R$ 144.800,00
- cento e quarenta e quatro mil e oitocentos reais - pagamento de pensão mensal
de cinco salários mínimos para tratamento oncológico e psicológico; e custeio
de uma cirurgia plástica para sanar as supostas mutilações.
Nesse
episódio, o princípio do contraditório e da ampla defesa, assegurado pela
Constituição Federal, conforme artigo 5º, inciso LV da Magna Carta, propicia-se a articulação
da contestação, condicionadas à verdade das alegações: 1) que a autora tenha
sido informada do diagnóstico de câncer
de mama; 2) que a requerente tenha sido informada claramente sobre seu quadro
clínico; 3) que o tratamento tenha seguido o protocolo pré-estabelecido; 4) que
foi oferecida a reconstrução mamária à paciente como parte do tratamento; 5)
que tenha havido discussão exaustiva dos riscos e benefícios do tratamento
cirúrgico; 6) que tenha prova incontestável do consentimento para os
procedimentos que se fazem necessários ao tratamento médico.
Se por um lado é assegurado à pessoa o direito
de ingressar em juízo, para reparação civil do dano sofrido, com supedâneo na
legislação aludida neste estudo, também são a doutrina e a jurisprudência
fontes do Direito importantes para a identificação de um ato ilícito.
Sabe-se que a obrigação médica é de meio, e
não de resultado. GONÇALVES [2] diz que:
“O objeto do contrato médico não é a cura,
obrigação de resultado, mas a prestação de cuidados conscienciosos, atentos, e,
salvo circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência.
Comprometem-se a tratar o cliente com zelo, utilizando-se dos recursos
adequados, não se obrigando, contudo, a curar o doente”.
Nesse sentido, em caso semelhante já se
manifestou o TJSP:
“Indenização por
danos materiais e morais - Improcedência - Adequação – Preliminar - Nulidade - Inocorrência
- Rejeição - Câncer de mama - Mastectomia bilateral total - Plástica para
reconstrução mamaria - Cirurgia reparadora e funcional - Obrigação de meio -
Caracterização - Erro médico - Inocorrência – Recurso improvido. [...] A cirurgia não era meramente estética,
mas reparadora e funcional, constituindo, portanto, obrigação de meio, e não de
resultado. O resultado funcional foi alcançado e o resultado estético não era
evitável - havia retrações que dificultavam a circulação sangüínea no local -
notadamente em face das dificuldades técnicas decorrentes da reconstrução pós
mastectomia Radical”. [03]
Além disso, temos que a responsabilidade civil dos
profissionais liberais será aferida mediante a verificação de culpa, de acordo
com o artigo 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
"O
fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos. [...] § 4º
A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa."
Há de
se chegar desta forma às modalidades de culpa, como ensina o Ilustre Professor KFOURI NETO [04], ao defini-las da seguinte maneira:
“A negligência médica caracteriza-se pela
inação, indolência, inércia, passividade. É um ato omissivo”. [...]
Na imprudência, há culpa comissiva. Age com
imprudência o profissional que tem atitudes não justificadas, açodadas, precipitadas,
sem usar de cautela”. [...]
Imperícia é a falta de observação das normas,
a deficiência de conhecimentos técnicos da profissão, o despreparo prático.
Também caracteriza a imperícia a incapacidade para exercer determinado ofício,
por falta de habilidade ou ausência dos conhecimentos necessário, rudimentares
exigidos numa profissão”.
Ainda
focalizando o polo passivo da demanda, que ilustra o assunto em tela, ou seja,
indenização em decorrência de erro médico, o hospital responderá objetivamente por
supostas falhas na prestação dos serviços, que por ventura vier a garantir, e
se em face dele, obviamente, a ação também for ajuizada.
Se o serviço prestado for defeituoso,
inevitável será a indenização. Entretanto, não é responsável
objetivamente pelos serviços dos médicos que atuam na condição de prepostos e
cumprem obrigação de meio de não de resultado.
Esse
é o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“A
responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha
de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. Nas
hipóteses de dano decorrente de falha técnica restrita ao profissional médico,
mormente quando este não tem nenhum vínculo com o hospital – seja de emprego ou
de mera preposição –, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar.
Na hipótese de prestação de serviços médicos, o ajuste contratual – vínculo
estabelecido entre médico e paciente – refere-se ao emprego
da
melhor técnica e diligência entre as possibilidades de que dispõe o
profissional, no seu meio de atuação, para auxiliar o paciente. Portanto, não
pode o médico assumir compromisso com um resultado específico, fato que leva ao
entendimento de que, se ocorrer dano ao paciente, deve-se averiguar se houve
culpa do profissional – teoria da responsabilidade subjetiva. No entanto, se,
na ocorrência de dano impõe-se ao hospital que responda objetivamente pelos erros cometidos pelo médico, estar-se-á
aceitando que o contrato firmado seja de resultado, pois se o médico não
garante o resultado, o hospital garantirá. Isso leva ao seguinte absurdo: na
hipótese de intervenção cirúrgica, ou o paciente sai curado ou será indenizado
– daí um contrato de resultado firmado às avessas da legislação. O cadastro que os hospitais
normalmente mantêm de médicos que utilizam suas instalações para a realização
de cirurgias não é suficiente para caracterizar relação de subordinação entre
médico e hospital. Na verdade, tal procedimento representa um mínimo de
organização empresarial”.[5]
No mesmo sentido:
A
responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos
médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou
seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos
preponentes. O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa
conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador
de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços
única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial
propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente
(internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem,
exames, radiologia), etc e não aos serviços técnicos-profissionais dos médicos
que ali atuam”. [06]
5 - CONCLUSÃO
Respeitamos a dor e o infortúnio, o acesso
ao Poder Judiciário expresso na Constituição Federal, mas ao mesmo tempo, entendemos,
com imparcialidade, que o pleito para reparação civil, acerca da
responsabilidade profissional, surge evidentemente, via de regra, da
irresignação e do inconformismo, passando a ser instrumentalizado pela expectativa
de direito. A lei nem sempre é remédio para as vicissitudes da vida, quer seja
para o "ofendido", quer seja para o "ofensor". Entretanto
sua aplicação é necessária, advinda como é, de uma regular tramitação do
Processo de Conhecimento, em que se discute o direito de cada um.
Notas
01 - KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil
do médico. 5 ed. São Paulo: RT, 2003. p. 46,47,48,49,50,51,52 e 53
02 - GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 360.
03 - 9070283-80.2009.8.26.0000 Apelação Com Revisão; Relator(a): Jesus Lofrano; Comarca:
São Paulo; Órgão julgador: 3ª
Câmara de Direito Privado; Data do
julgamento: 17/11/2009; Data de
registro: 24/11/2009; Outros
números: 6698184700, 994.09.320885-0
04 - KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil
do médico. 7 ed. São Paulo: RT,
2010. p. 94-98.
05 - STJ-2ª Seção, REsp
908.359, Min. João Otávio, j. 27.8.09, quatro votos a três, DJ 17.12.08
06 - STJ-4ª T., REsp
258.389, Min. Fernando Gonçalves, j. 16.6.05, DJU 22.8.05
Referências
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Código
civil comparado / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração
de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia
Céspedes. - São Paulo ; Saraiva, 2002.
http://www.dji.com.br/leis_ordinarias/1990-008078-cdc/codigo_de_defesa_do_consumidor.htm